mulher negra olhando pela janela

“O sofrimento pode ser um aliado para transformar”, diz psicóloga

As reflexões da psicóloga Flávia Albuquerque propõem politizar o sofrimento e despatologizar a vida

Por Beatriz de Oliveira

26|09|2024

Alterado em 26|09|2024

Politizar o sofrimento e despatologizar a vida é o que propõe a psicóloga Flávia Albuquerque em seu perfil do Instagram – @despatologiza. As postagens incluem reflexões como “responder com raiva a situações abusivas não é desequilíbrio mental”, “saúde sem justiça social não é cuidado, é mercadoria” e “não nos falta terapia, nos sobra desigualdade”.

“Politizar o sofrimento vem de entender que o sofrimento é político. O sofrimento não é universal e homogêneo, ele vai variar. Nós somos desiguais, variamos em função de gênero, raça e classe social”, explica a mineira e mestra em Educação. 

mulher branca de franja

Flávia Albuquerque publica reflexões no Instagram @despatologiza

©arquivo pessoal

A proposta de despatologizar a vida vem do entendimento de que nem todas as questões que afetam nosso bem estar são problemas de saúde mental. A psicóloga explica que o termo patologização tem relação com o termo medicalização, que se refere à expansão da lógica da medicina para áreas da vida que não necessariamente tem a ver com questões de saúde. Nesse sentido, a patologização é transformar questões sociais, culturais e políticas em doenças e transtornos mentais.

Nesse contexto, Flávia critica a viralização de certos vídeos em redes sociais, como “sinais de que talvez você tenha TDAH” ou “minha vida com depressão”, que, em grande parte, contam com descrições generalistas. “Isso acaba reduzindo muito toda a diversidade humana no que diz respeito ao comportamento e também à própria compreensão de sofrimento. O sofrimento vai sendo entendido como um mal a ser combatido e não como uma mediação nossa com o mundo”.

O sofrimento vai sendo entendido como um mal a ser combatido e não como uma mediação nossa com o mundo

Flávia Albuquerque

A partir disso, a profissional defende que devemos olhar para o sofrimento de outro ângulo: ao invés de enxergá-lo como algo errado em nós, devemos nos atentar ao que causou esse sentimento. “Muitas vezes o sofrimento guarda uma carga de revolta. Se a gente tem uma vida com um trabalho precarizado, com condições climáticas insalubres, com a violência de Estado contra pessoas negras, como é que não vamos sofrer?”.

Outro ponto trazido nas reflexões da psicóloga é a importância de entender as causas do sofrimento de maneira coletiva. “Temos que ir além do individual, pensar nas condições de vida que levamos. Sem pensar nas nossas estruturas de vida, ficamos aos poucos fragmentados. Pensar no coletivo é ir além da terapia”, diz, explicando que isso não significa dar menos relevância à terapia, mas levar o contexto em consideração para além dos problemas individuais.

Mas como lidar com toda essa concepção ampliada de sofrimento? Para Flávia, os caminhos incluem a terapia, que tem papel emancipador e pode ajudar a fazer leituras sociais. Redes de apoio também têm papel essencial, pois promovem a vida em coletividade. Além disso, o ativismo e a luta política podem ser meios de lidar com o sofrimento causado pelas opressões cotidianas, o que inclui ainda votar com consciência nas eleições.

“O sofrimento pode ser um aliado para transformar. Isso é poderoso. Vale mover a pergunta ‘o que tem de errado comigo?’ para ‘o que está acontecendo comigo?’. Isso faz total diferença na compreensão do nosso sofrimento”, afirma.