mulher negra com cabelo ruivo

Com mistura de ritmos, rapper Enme exalta musicalidades do Maranhão

Da periferia de São Luís (MA), Enme busca consolidar sua carreira no rap; seu mais recente lançamento é o álbum Atabake

Por Beatriz de Oliveira

12|08|2024

Alterado em 12|08|2024

“A música me possibilitou falar o que eu pensava, me expressar, gritar para o mundo as minhas dores, as minhas vontades e sonhos”, afirma a rapper Enme em entrevista ao Nós, mulheres da periferia. Do bairro Liberdade, periferia de São Luís (MA), a artista trans não binária afirma que a música permitiu que ela se entendesse enquanto corpo negro e LGBTQIAPN+ no mundo e a inspirar outras pessoas. 

Dona do álbum Atabake, que teve sua primeira versão em 2022 e contou com relançamento em 2024, a artista mistura o rap com elementos da sonoridade regional do Maranhão, como o tambor de crioula e o tambor de mina. “Eu quero muito que a galera perceba a densidade que tem nas minhas músicas, de percussividade, de história, de ancestralidade e de tecnologia; porque eu venho de um estado muito rico de tecnologia ancestral que é o Maranhão”. 

No início da carreira, Enme compunha a partir de sentimentos de revolta, angústia e dores. A música que abre o seu primeiro EP, intitulada “Pare de nos matar”, traz trechos como: “a carne mais velada do mercado é a carne negra, que não se entrega, batalha e sol a lua, leva bala na favela como se gente não fosse”.

Hoje, vive um novo momento em sua trajetória e permite cantar sobre sentimentos bons. “Dentro da minha nova vivência, eu falo muito mais sobre amor, sobre esperança, sobre romance, sobre a possibilidade da gente ter esse tempo de se amar”, afirma. Diz ainda que quer que suas músicas sejam trilha sonora de momentos amorosos, como um casamento ou um primeiro encontro.

“Cantando naquele palco, eu entendi que não dava mais pra descer”

Vivendo na periferia do bairro Liberdade, que abriga o maior quilombo urbano do país, Enme recebeu influências da cultura hip hop, e admirava principalmente artistas internacionais como Lauryn Hill. Em 2014, começou a trabalhar como produtora em eventos de hip hop, e a partir daí se desenvolveu enquanto DJ e conheceu vários rappers da capital maranhense.

Certo dia, um amigo a convidou para fazer uma música com ela. Enme compôs algumas linhas, gostou do resultado e resolveu cantar para alguns amigos em uma festa de aniversário. Desde então não parou mais de cantar.

Em 2017, subiu pela primeira vez em um palco para se apresentar em um festival. “Naquele momento, cantando naquele palco, eu entendi que não dava mais pra descer”, diz.

De lá pra cá, a rapper acumula hits como “Batidão, “Deise”, “Saliência” e “Som da Liberdade”. Em 2019, recebeu o prêmio de artista revelação no Festival Sons da Rua, mesmo ano em que lançou o seu primeiro EP, Pandú. Para além do mundo da música, ganhou destaque participando do reality show brasileiro, Caravana das Drags, transmitido pela Prime Video. 

Enme, mulher negra de cabelo ruivo

Enme no álbum Atabake Deluxe

©divulgação

Questionada sobre as dores e as delícias de trilhar a carreira artística, ela afirma: “meu maior desafio é me fazer ser entendida, porque é uma mistura de ritmos muito complicada, que para algumas pessoas soa como algo tão original que não tem muito bem onde encaixar”, diz e resume “eu sou rap demais pra ser pop, e pop demais pra ser rap, sou regional demais para ser trap”. Segundo ela, ao mesmo tempo que a originalidade lhe fecha algumas portas, abre outras também.

Outros desafios são fazer com que o mercado musical reconheça que existe potência no Maranhão e que respeite um corpo trans não binário. “São barreiras que a própria sociedade estabeleceu”.

Já sobre a parte boa de fazer arte por meio da música, Enme afirma ser feliz em ver que suas criações não vão morrer com ela, pois existem, por exemplo, outros artistas produzindo a partir dessa mistura de ritmos que a rapper propõe. Para ela, esse é seu maior legado.