Razões para se orgulhar: conheça a travesti Brume Dezembro

Travesti brasileira chega ao doutorado em uma das melhores universidades do mundo, nos EUA

24|06|2024

- Alterado em 24|06|2024

Por Victória Dandara

No mês de junho, tivemos mais uma razão para nos orgulhar enquanto comunidade LGBTQIAPNB+: Brume Dezembro, travesti e pesquisadora brasileira, foi aprovada para PhD em Cornell, universidade estadunidense do grupo Ivy League, liga das melhores e mais tradicionais instituições de ensino dos EUA e do mundo.

Brume – que também é bissexual e neurodivergente – nasceu e se criou no interior de São Paulo. Sendo uma “criança viada” e sofrendo os impactos disso, buscou na educação um caminho para superar as adversidades. Formou-se em Ciências Sociais na UNICAMP, instituição onde também obteve o título de Mestra em Antropologia Social. Apaixonada por pesquisa, rumou para novas fronteiras e desafios, realizando um segundo programa de pós-graduação fora do Brasil. A partir de 2019, Brume participou do programa History in The Public Sphere, vinculado ao Erasmus Munduns Joint Masters, morando e estudando em quatro países diferentes neste período (Hungria, Áustria, Japão e Portugal), o que para ela é muito representativo.

“Eu brinco que eu sou um “corpo-nômade”, tanto pelos trânsitos de gênero, quanto de território – vivi em pelo menos 15 casas em 3 anos. Eu sinto que viver em diferentes casas, países, continentes, e de fazer pesquisas tanto na antropologia quanto na história (ou seja, ao longo de diferentes territórios, e de diferentes tempos) me fez perceber como nada disso é fixo, essas categorias estão em movimento, e por isso elas podem ser de outro modo”

Brume Dezembro

A prestigiosa Universidade Cornell, fundada em 1865 em Ítaca-NY, EUA, terá o privilégio de receber Brume em seu programa interdisciplinar de PhD em Estudos de Ciência e Tecnologia.“A proposta da pesquisa é olhar para o centro, também – olhar a emergência de novas biotecnologias de reprodução e fertilidade (…) é mesmo radicalizar essa perspectiva transfeminista indo além de “pessoas trans” enquanto identidade e pensando em atravessamentos mais amplos de produção de corpo – corporalidade – e de demandas de autonomia corporal, em um sentido coletivo, político (…)”, diz ela.

Brume não dissocia em nenhum momento essa conquista individual ao âmbito da coletividade. Reconhece a importância do movimento travesti organizado para sua chegada a um espaço de tanto prestígio: “Eu sei que tive essas oportunidades por conta das travestis que vieram antes”. Mais que isso, a ida de travestis para organizações de ponta no exterior é nos colocar em lugares de decisão importantíssimos. Como ela mesma pontua,

“Entender essa trajetória além de mim, em um projeto transfeminista interseccional, é conectar demandas de autonomia corporal, de liberdade de movimento… de navegar diferentes estratégias e práticas resistências que possibilitam viver nesse mundo por vezes tão violento. É o famoso dar o truque, é fazer o possível acontecer no impossível – e nisso as travestis, nós travestis, temos muito a ensinar. Então, que nos escutem, e que estejamos, também, nesses espaços decisórios, e a universidade, a ciência, o desenvolvimento tecnológico, a medicina, são alguns desses espaços que podemos e que devemos estar.”

Brume Dezembro

Embarcado para sua nova jornada em menos de 2 meses, Brume nos conta como têm sido intensos os preparativos. Apesar da bolsa integral de pesquisa da própria Universidade, ela ainda tem de levantar um valor inicial para viabilizar a viagem em si até que receba o financiamento de Cornell. Por isso, ela iniciou uma campanha de arrecadação coletiva. Você pode doar por esse link ou pelo pix brume.dezembro@gmail.com.

Lembremos que essa é uma conquista coletiva e representa nossas pautas sendo pesquisadas e ouvidas internacionalmente nos maiores centros de pesquisa e ensino do mundo. Por isso, toda ajuda é mais que bem-vinda! Que nesse junho, celebremos a existência travesti em todas as suas potências! “Também é nosso dever esgarçar esse espaço, e mostrar que outro futuro é possível”, finaliza.

Victória Dandara Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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