Sônia Livre: campanha pede liberdade de mulher negra vítima de trabalho escravo

Sônia Maria de Jesus passou quatro décadas em trabalho escravo contemporâneo, mas a Justiça autorizou que ela retornasse a casa dos investigados

Por Beatriz de Oliveira

13|06|2024

Alterado em 13|06|2024

Em 2023, a catarinense Sônia Maria de Jesus, de 50 anos, foi resgatada após passar quarenta deles em situação de trabalho analogo à escravidão na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianopolis (SC). Apesar do resgate, no mesmo ano a Justiça autorizou que ela voltasse a viver com a família que a escravizou. Pela liberdade de Sonia, familiares da mulher e movimentos da sociedade civil organizam a campanha “Sônia Livre”.

Encabeçada pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e Ministério Público do Trabalho (IPEATRA), a campanha foi lançada no dia 6 de junho. “As motivações para a campanha são uma decisão inédita que determinou o retorno de Sônia à casa da família que, segundo as apurações, a manteve em situação de escravidão, sob o argumento de ela seria membro da família, e da inação das demais instituições judiciais, como STF e CNJ para julgarem a liberdade de Sonia”, afirma Mylene Ramos Seidl, presidente do IPEATRA, advogada e juíza do trabalho aposentada. 

A campanha Sônia Livre exige a liberdade da mulher de 50 anos

“Estamos em 2024 lutando pela libertação de uma mulher negra vítima de trabalho análogo à escravidão desde criança. É inaceitável”, diz a advogada. 

‘O caso de Sônia representa um grande retrocesso no combate ao trabalho escravo’

Em 9 de junho de 2023, Sônia Maria de Jesus foi resgatada da casa de luxo do desembargador Jorge Luiz de Borba e da mulher dele, Ana Cristina Gayotto de Borba. A mulher negra, surda e até então analfabeta em português e em libras trabalhava como doméstica desde os nove anos de idade para a família. Ela não recebia salário, não tinha descanso, era privada do direito à educação e tinha várias questões de saúde negligenciadas.

Em setembro do mesmo ano, foi realizado um encontro entre Sônia e os investigados, no qual houve forte coação emocional e indução do retorno à casa do casal. Após o retorno, o desembargador impediu o encontro de Sônia com os irmãos biológicos, que só aconteceu após determinação judicial. Interrompeu ainda o tratamento psicológico da vítima, que também só foi retomado após nova determinação judicial.

A decisão de que Sônia pudesse retornar a casa dos investigados foi referendada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell Marques. Ele discordou da conclusão do Ministério Público do Trabalho de que Sônia teria sido submetida a condição análoga à escravidão e em relatório afirmou que a vítima seria, na verdade, tratada como membro da família.

A Defensoria Pública da União recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que os investigados reencontrassem Sônia até o final da investigação, mas teve o pedido negado pelo ministro André Mendonça.

“O caso de Sonia representa um grande retrocesso no combate ao trabalho escravo. Nesse caso, temos de discutir ideias absurdas de que trabalhadoras domésticas são ‘quase’ da família e por isso não precisariam ter direitos assegurados. Além disso, nunca houve um caso de ‘desresgate’ de um trabalhador, como facultou aos investigados a decisão do ministro Mauro Campbell. Vem também gerando controvérsia o fato de que uma vítima resgatada em condições análogas à escravidão seja submetida a um processo de adoção exatamente pelos investigados, uma estratégia de defesa inédita e um precedente perigoso para outras vítimas”, aponta Mylene Seidl. 

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Irmãos de Sonia buscam por justiça

Marta, irmã de Sônia

A família de Sônia luta por sua liberdade

Sônia é a mais velha de sete irmãos: Marlene, Aparecida, Marcos, Marcelo, Marta e Marisa, os quais vivem em São Paulo (SP). Aos nove anos de idade, foi retirada do convívio familiar.

Marta de Jesus, irmã de Sônia, conta que a mãe tinha um relacionamento abusivo e passava por dificuldades para criar as filhas. Numa creche próxima de casa, elas eram atendidas por uma psicóloga, que se ofereceu para cuidar de Sônia por um período, com visitas regulares da mãe. “Mas quando acabou o trabalho voluntário dessa psicóloga na creche ela foi embora e levou a Sônia junto, neste momento, minha mãe perdeu totalmente o contato com a minha irmã”, conta.

Desde então, a mãe passou a procurar pela filha, mas nunca a encontrou. “Minha mãe sempre sofreu muito por isso, sempre chorava e dizia ‘eu vou morrer e não vou ver minha filha’, e assim se fez”.

Desde o resgate de Sônia, a família teve quatro encontros com ela. O primeiro, foi repleto de exigências feitas pela família Borba e durou apenas 40 minutos. Marta conta que ela e os irmãos se preocupam em como está o convívio de Sônia com a família Borba e que anseiam por uma relação mais próxima com ela.

Após um ano aguardando os processos da Justiça e seguindo as orientações dos advogados, a família decidiu levar o caso à mídia e procurou movimentos sociais para criar a campanha Sônia Livre.

“Esperamos que esse seja um meio de finalizar esse processo de forma positiva, porque nós gostaríamos de reconstruir essa história e tudo que foi perdido, e não gerando novos sofrimentos”, diz.

Para colaborar com a campanha a orientação é seguir as redes sociais oficiais, compartilhar os conteúdos e postar vídeos e fotos de apoio com a hashtag #sonialivre marcando o perfil @sonialivreoficial.