7 mulheres que foram culpabilizadas por sofrerem violência no Brasil
Culpar a vítima já faz parte da cultura brasileira. Isso contribui para a subnotificação dos crimes e para a naturalização da violência contra as mulheres. Confira alguns casos!
Por Amanda Stabile
17|01|2024
Alterado em 14|03|2024
Pelo menos 25,4 milhões de brasileiras já foram vítimas de violência doméstica ou familiar em algum momento da vida, de acordo com a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher. Apesar dos números alarmantes, nem todas denunciam e os motivos para isso são diversos.
Dentre eles, podemos citar a cultura da culpabilização das mulheres pelas violências que sofrem. A pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres”, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2014, revelou que quase 60% dos entrevistados concordavam totalmente com a afirmação de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
Em casos de feminicídios, que acontecem a cada 24 horas no Brasil, também é comum que as mulheres sejam julgadas por suas roupas, personalidades, atitudes ou estilos de vida. Isso interfere no modo como são vistas pela opinião pública e até pelo sistema judiciário.
Abaixo listamos alguns casos emblemáticos da história brasileira em que as mulheres foram culpabilizadas pelas violências que sofreram. Confira:
Em novembro de 1975, a atriz e apresentadora Leila Cravo, de 21 anos, foi encontrada nua, ferida e inconsciente em frente ao Motel Vip’s, no Rio de Janeiro (RJ). Ela foi acusada de ter saltado da janela da suíte presidencial, teoria negada veementemente por Leila, que afirmou ter sido vítima de tentativa de feminicídio. O caso foi arquivado anos depois.
Apenas posteriormente a apresentadora revelou sua versão completa dos fatos: tinha combinado de ir ao hotel com um amigo, o advogado Marco Aurélio Sampaio Moreira Leite, mas que chegando lá havia outros dois homens. Após se negar a ter relações sexuais com eles, foi estuprada, espancada e jogada da janela para parecer um suicídio.
Em 1976, a socialite mineira Ângela Diniz foi morta com quatro tiros no rosto por seu ex-namorado, Doca Street, na Praia dos Ossos, em Armação dos Búzios (RJ). Durante o julgamento, a defesa do assassino argumentou que ele havia agido em “legítima defesa da honra”, uma tese jurídica que alega que o agressor poderia ser absolvido de um crime se provasse que agiu para defender sua honra ou a de sua família.
Esse argumento justifica a impunidade dos agressores. Se a vítima é considerada responsável pelo crime, então o agressor não pode ser responsabilizado por suas ações. No caso de Ângela, a tese era que ela havia provocado o assassinato com seu comportamento promíscuo e libertino.
Por fim, Doca foi preso e condenado a 15 anos de prisão. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a tese da “legítima defesa da honra” é inconstitucional por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
Em 2010, a modelo Eliza Samudio, de 25 anos, foi assassinada por Bruno Fernandes, à época goleiro do Flamengo, com quem tinha um filho. O corpo de Eliza nunca foi encontrado. Segundo um dos comparsas de Bruno, ela foi esquartejada e dada aos cachorros.
Apesar dos requintes de crueldade do crime, Eliza foi culpabilizada em coberturas midiáticas por seu relacionamento com Bruno, que era casado com outra mulher. Além disso, foi acusada de ser “prostituta” e de ter “provocado” sua própria morte.
Em 2014, Cláudia Silva Ferreira, de 38 anos, foi morta pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. A moradora do Morro da Congonha, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), era mãe de quatro filhos e cuidadora de quatro sobrinhos, além de auxiliar de serviços gerais em um hospital.
Ao sair de casa para comprar pão para os filhos, Cláudia foi baleada com um tiro no pescoço e outro nas costas e arrastada por 300 metros pela viatura da PM. O caso foi amplamente divulgado nas redes sociais e gerou comoção pública e protestos contra a violência policial no Brasil. Porém, muitos também culpabilizaram a vítima por estar em uma região perigosa.
Esse ano, em 16 de março, completa-se 10 anos de seu assassinato, porém o crime continua impune.
Em 2016, uma adolescente negra de 16 anos foi vítima de estupro coletivo por 33 homens em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). No dia do crime, a vítima combinou de dormir na casa do namorado. Lá, foi dopada e estuprada por homens armados com fuzis e pistolas. O estupro foi filmado e divulgado nas redes sociais.
O caso causou comoção, mas também inflamou um debate sobre a responsabilidade da vítima pelo estupro. Em entrevista veiculada no “Domingo Espetacular”, da TV Record, a adolescente afirmou: “o delegado estava querendo me botar de culpada de todas as formas”.
Em 2018, Mariana Ferrer acusou o empresário André de Camargo Aranha de tê-la dopado e estuprado no clube Café de La Musique, em Florianópolis (SC), onde trabalhava como embaixadora. Em 2020, um vídeo do julgamento foi divulgado pelo site The Intercept Brasil, em que o promotor do caso, Thiago Carriço, questionava a vítima de forma agressiva e insinuava que ela estava interessada no acusado.
O caso ganhou grande repercussão nacional e levantou importantes discussões sobre o tratamento de vítimas de crimes sexuais no Brasil. Em novembro de 2021, a Lei Mariana Ferrer foi sancionada, estabelecendo que vítimas de crimes sexuais não podem ser constrangidas ou humilhadas durante os julgamentos.
O julgamento de André de Camargo Aranha terminou em 2021, com sua absolvição por falta de provas.
Em 14 de março de 2018, Marielle Franco, socióloga e política brasileira, foi brutalmente assassinada junto com o motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro (RJ). O carro em que estavam foi alvejado por tiros de submetralhadora e apenas a assessora de Marielle, Fernanda Chaves, sobreviveu.
Marielle foi julgada pela sociedade como culpada pelo próprio assassinato. Isso aconteceu por uma série de fatores, dentre eles: a disseminação de desinformação e preconceito via redes sociais, que contribuíram para a construção de uma narrativa que a desqualificava como pessoa e militante.
Alguns argumentos a colocavam como alguém que “merecia” o que aconteceu, uma ameaça à ordem social, defensora de bandidos e uma mulher de vida promíscua por ser casada com outra mulher. Sua morte também foi utilizada por alguns grupos políticos para promover uma agenda de violência e intolerância.