Muito além da libido e hipersexualização: desvendando os benefícios do rebolado
A colunista Maria Chantal revela que a prática do rebolado traz uma série de benefícios e dá dicas de exercícios
19|12|2023
- Alterado em 17|05|2024
Por Maria Chantal
A dançarina, professora e escritora Taísa Machado, criadora do Afrofunk Rio, plataforma que estuda e ensina o rebolado, nos lembra que a palavra “Bunda” vem do kimbundu Mbunda, que, além de se referir às nádegas, também é uma língua e um grupo étnico original de Angola. Apesar da mudança na escrita, a palavra, que originalmente tinha um “M” na frente, vem da língua kimbundo, uma das línguas faladas em Angola, que influenciou o português falado no Brasil, conforme destacado por Lélia Gonzalez ao conceituar o termo “pretuguês”, referindo-se à marca deixada por diversas línguas africanas.
Falando sobre a bunda, essa parte do corpo que provoca tanto escárnio, desejo e escândalo, é importante notar que movimentá-la é uma ferramenta de saúde. Estudos, como o publicado em 2017 no Journal of Physical Therapy Science, relacionam a melhora da incontinência urinária e a dança do ventre, destacando benefícios como aumento da densidade óssea e fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico.
Outro grupo que se beneficia do rebolado são as gestantes. Em um artigo do jornal Estado de Minas, a obstetra Lucia Barreto destaca que “Rebolar ajuda a relaxar a pelve e facilita a descida e o encaixe do bebê com menos tensão e dor”. Ela ressalta a importância de que gestantes que já tenham tido alguma fratura ou apresentem riscos de abortamento tomem cuidado com a intensidade dos movimentos durante a gestação. Além disso, a obstetra observa que a escolha de músicas com ritmos suaves auxilia a mulher a relaxar e a respirar no início do trabalho de parto. Por outro lado, músicas com ritmos mais animados favorecem a gestante na fase ativa do parto, quando as contrações são mais frequentes e dolorosas. Em resumo, o rebolado contribui para o relaxamento da pelve e facilita a descida e o encaixe do bebê, promovendo um processo mais tranquilo e confortável para a gestante.
O movimento pélvico também foi defendido pelo psicanalista e sexólogo Wilhelm Reich, que acreditava que esse movimento permitia o distensionamento da musculatura da região. Desta forma, órgãos como o útero poderiam exercer suas funções fisiológicas, como menstruar, parir, lubrificar e gozar sem dor. Reich via o movimento pélvico como uma prática benéfica para a saúde sexual e reprodutiva da mulher.
Outra entusiasta do movimento pélvico, a antropóloga e bióloga Casilda Rodrigañez, volta seu olhar para as culturas africanas e outras culturas pouco ocidentalizadas. Ela demonstra que as civilizações antigas já possuíam um conhecimento significativo sobre os benefícios do movimento pélvico. Rodrigañez comprova, por meio de suas pesquisas, o quanto a educação postural dessas populações faz mais sentido para a fisiologia corporal. Isso inclui práticas como sentar-se rente ao chão, adotar a posição de cócoras e o próprio rebolado, que permitem a pulsação uterina, um órgão muscular que se beneficia do movimento e relaxamento pélvico. Em resumo, o rebolar se revela como um método de cuidado que não apenas proporciona prazer, mas também auxilia no tratamento de cólicas menstruais e na manutenção da saúde ginecológica.
Movimentar a pelve é positivo para a saúde física, sexual e emocional. No entanto, é comum que haja o medo de rebolar. Não, não é uma sensação banal, pois está baseada em diversos comportamentos e na forma como a sociedade ocidental e ocidentalizada trata as culturas que têm a prática de dançar. Buscando um meio de validar crenças de inferiorização das populações não brancas, utiliza-se a cultura, no caso a do rebolado, transformando esse ato tão simples e cotidiano em algo demoníaco, emburrecedor, vulgar e inútil.
Um exemplo disso foi o Bonde das Maravilhas. Em 2011, quando o grupo de dança surgiu, popularizando o quadradinho de 4 e introduzindo movimentos pélvicos que para muitos eram novidade, nas redes sociais era comum ver as cinco adolescentes sendo frequentemente ofendidas. Na maioria das vezes, o ataque era direcionado à sua inteligência. Se você observa pessoas que rebolam sendo alvo de críticas das formas mais variadas, não há motivos para acreditar que isso não poderia acontecer com você.
Em meu projeto de prazer e rebolado afro referenciado, “Descolonize Seus Quadris”, observo que, para além da deslegitimação da inteligência de mulheres por movimentarem uma articulação do corpo, há uma constante culpabilização das mulheres por sexualizarem seus próprios corpos e seduzirem os homens. A pergunta que faço é: tratando-se de pessoas afrodescendentes e africanas, quando tais corpos não foram (e são) sexualizados e objetificados?
A colonização de diversos territórios pela Europa, a escravização de 12 milhões de africanos, os Zoológicos humanos que fizeram parte da cultura de diversos países, incluindo o Brasil (em 1882, no Museu Nacional em São Cristóvão, Rio de Janeiro-RJ), a apropriação do corpo das amas de leite, as fazendas de reprodução de escravizados, os genocídios da população negra no Brasil… esses são os verdadeiros responsáveis pela objetificação e sexualização dos corpos, não o simples ato de pessoas rebolarem.
Compreendo também que muitas mulheres evitam rebolar pelo medo de se tornarem alvos. No Brasil, há uma cultura de vitimização de violência contra as mulheres. Os dados do DataFolha e FBSP de 2023 indicam que “35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil em 2022.” O corpo feminino vive sob vigilância e controle, sendo frequentemente culpabilizado quando algo de ruim acontece, enquanto seu prazer e diversão não são socialmente aprovados, a menos que tenham a chancela masculina e religiosa.
Por isso, muitas mulheres procuram controlar ao máximo a forma como seus corpos são percebidos pelos outros, através de suas ações. No entanto, é importante reconhecer que, na realidade, elas não têm controle total sobre isso. Para efetuar uma mudança significativa, seria necessário uma transformação na estrutura político-social. Especificamente em relação às pessoas negras, seria crucial uma propaganda massiva de humanização e valorização de pessoas e culturas africanas. Essa abordagem visa não apenas romper com estereótipos prejudiciais, mas também criar um ambiente que celebre a diversidade e promova a igualdade.
Sim, existe a necessidade de ser perspicaz e entender que em alguns lugares vale a pena passar despercebida. Isso envolve compreender o jogo social. No entanto, ao mesmo tempo, entender esse jogo significa compreender que toda essa tensão precisa ser liberada. Rebolar pode proporcionar mais energia no dia a dia e uma maior paixão pela vida. Portanto, a escolha mais inteligente não é deixar de rebolar, mas sim criar espaços onde você possa fazer isso de forma segura.
A segurança é fundamental, evitando situações em que você possa ser filmada, o que pode acarretar riscos, como no caso da auxiliar de limpeza Luzimar Santos e da primeira ministra da Finlândia Sanna Marin, que perderam seus empregos devido a vídeos pessoais. A segurança também pode ser encontrada ao dançar sozinha em casa. Independentemente do que simbolize segurança para você, é essencial recriar um ambiente onde você possa rebolar em paz. Essa prática não só contribui para o bem-estar físico e emocional, mas também para a expressão autêntica e livre do corpo.
Rebolar gera lubrificação e permite que o corpo respire com todos os poros”, afirma a artista e educadora da raba, Lara Barcelos. Em minha experiência produzindo e ensinando mulheres a rebolar, nas aulas práticas com duração de 2 horas, tenho observado como a realização dos movimentos pélvicos melhora significativamente a forma como as participantes se relacionam com o corpo de maneira geral, incluindo a pelve e a autoestima.
Na prática do rebolado, descubro que existe mais energia vital no corpo do que imaginamos, e essa energia só é plenamente acessada através do movimento, seja nas aulas, em festas ou em casa. Ao rebolar, liberamos essa energia e aprendemos a lidar com ela de maneira saudável. Outra dimensão importante que se desenvolve ao estar no corpo é a capacidade de sentir, abrindo caminho para as emoções fluírem. Surge a raiva, alegria e sensações diversas que nem sempre podem ser nomeadas, mas apenas sentidas. Rebolar, assim, não apenas beneficia o corpo fisicamente, mas também proporciona uma conexão mais profunda com as emoções e a experiência corporal.
Para te inspirar a rebolar em casa mesmo, vou te ensinar uma prática para te ajudar a começar. Você vai precisar de:
Uma boa playlist: Recomendo a Playlist Descolonize Seus Quadris no Spotify;
Vista uma roupa larga ou de malha: O importante é que seja confortável;
Respire normalmente pelas narinas e preste atenção ao seu corpo: Evite julgamentos negativos.
Dica de ouro: Imagine que está segurando um lápis com a vagina para desenhar um círculo no chão. Essa frase foi mencionada em uma aula online, onde Livia Mol estava tendo dificuldades para entender o movimento, então me explicou que imaginar o lápis facilitava o processo de aprendizado. Aposto que você também não vai esquecer essa frase.
Aqui estão 3 tutoriais para você rebolar em casa diariamente:
Nível básico: Ndombolo base com joelhos flexionados
Instrução: Pés na largura dos quadris, flexione os joelhos, mantenha o tronco no eixo de equilíbrio. Não leve o tronco para trás nem para frente. Dica: mantenha orelhas, ombros e quadris na mesma linha. Após alinhar o corpo, faça um círculo com a pelve, como se estivesse desenhando um círculo no chão.
Nível médio: mão no joelho
Instruções: Semelhante à posição anterior, mas com a adição das mãos nas coxas. Apesar de se dizer “mão no joelho”, a mão vai mesmo na coxa, evitando peso nas articulações dos joelhos e permitindo movimento mais livre.
Nível avançado: pernas em W
Esta posição requer um colchonete ou tapete de yoga para apoiar os pés. Recomenda-se o uso de travesseiros entre a pélvis e o chão.
Aqui também estão algumas indicações de aulas de rebolado online e presenciais que você pode experimentar:
estilo: Ndombolo, funk, Afrobeats
região: Rio de Janeiro e São Paulo
modalidade de ensino: online e presencial em diversos municípios, olhe a agenda.
estilo: Funk e outros estilos
região: Rio de Janeiro (RJ)
modalidade de ensino: online e presencial
Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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