Sarah Maldoror na 35ª Bienal de São Paulo: o cinema que retrata lutas coloniais
Sarah Maldoror foi uma poeta e cineasta francesa que se destacou por retratar lutas contra a colonização em países africanos
Por Beatriz de Oliveira
12|09|2023
Alterado em 12|09|2023
A cineasta Sarah Maldoror deixou uma marca indelével na história do cinema mundial por meio de narrativas centradas na negritude e na descolonização. Com mais de 40 filmes, entre ficção e documentários, essa artista pioneira destacou-se por abordar as lutas contra a colonização em países africanos. Sarah Maldoror é uma das 120 artistas cujas obras estão em exposição na 35ª Bienal de São Paulo – Coreografias do Impossível.
A 35ª Bienal de São Paulo teve início em uma quarta-feira (06) e continuará até 10 de dezembro no Parque Ibirapuera, na zona sul da capital paulista. Com foco especial em artistas negros e indígenas e sob o tema “Coreografias do Impossível”, esta edição propõe uma reflexão sobre como as impossibilidades da vida cotidiana se refletem na produção artística. A entrada é gratuita.
Esta edição marca um feito inédito ao contar com três curadores negros: Diane Lima, Grada Kilomba e Hélio Menezes, que trabalham em conjunto com Manuel Borja-Villel. O evento de arte contemporânea tem ocorrido a cada dois anos na cidade desde 1962.
Os curadores afirmam que a Bienal une movimentos políticos e expressões artísticas: “Os participantes presentes nesta Bienal desafiam o impossível em suas mais variadas e incalculáveis formas. Vivem em contextos impossíveis, desenvolvem estratégias de contorno, atravessam limites e escapam das impossibilidades do mundo em que vivem”.
A trajetória da cineasta francesa Sarah Maldoror expressa bem a luta contra o impossível, com a realização de projetos notáveis mesmo num contexto de racismo, falta de referências de mulheres negras no audiovisual e dificuldades financeiras.
Sarah Maldoror enfrentou o impossível
Nascida no sul da França em 1929 e falecida em 2020, Sarah Maldoror tinha origens caribenhas, seu pai era da ilha de Guadalupe, que passou pelo período de colonização francesa. Originalmente batizada como Sarah Ducados, a cineasta adotou o nome Sarah Maldoror para reafirmar sua identidade como mulher negra descendente de escravizados. Seu nome artístico foi inspirado no livro “Cantos de Maldoror”, escrito pelo poeta Conde de Lautréamont.
Seu primeiro longa-metragem, “Sambizanga” (1972), está sendo exibido durante a Bienal. Este filme de 96 minutos é também o mais amplamente conhecido e retrata a guerra colonial e a luta pela independência de Angola sob a perspectiva de uma mulher. Em vez de enfocar a miséria e a violência, que eram temas comuns em filmes sobre guerras e o continente africano, a cineasta optou por destacar a solidariedade da população angolana.
Frame do filme Sambizanga
©reprodução internet
As filhas da cineasta, Henda Ducados e Annouchka de Andrade, unem esforços para preservar a memória de Sarah Maldoror e garantir que seu legado alcance um público mais amplo. Em uma conversa promovida pelo Instituto Vladimir Herzog em São Paulo (SP), as irmãs relataram que têm organizado exposições e eventos em parceria com organizações, além de trabalharem na restauração e digitalização de todos os filmes do acervo, bem como na busca por películas perdidas.
Elas enfatizam que Sarah Maldoror foi uma verdadeira pioneira ao retratar a beleza do continente africano e as lutas pela independência durante a década de 1970. Em suas obras, ela combinava poesia e pensamento político, resultando em uma narrativa única para a época. Henda Ducados compartilhou que ao assistir seus filmes, “os críticos diziam que não era possível que a África fosse tão bonita”.
Em seus trabalhos, Sarah Maldoror também explorou o pensamento da negritude e procurou traduzir em imagens a poesia de escritores africanos. Ela realizou mais de 40 filmes entre os anos de 1969 e 2009, mas também deixou dezenas de projetos escritos que não puderam ser filmados. Parte desses roteiros também faz parte da exposição da 35ª Bienal de São Paulo – Coreografias do Impossível.
As filhas da cineasta relatam que a carreira da mãe nunca foi fácil. Ela enfrentou um país racista e lutou para conseguir financiamento para seus filmes e reconhecimento em festivais. No final de sua vida, as dificuldades persistiram. Henda Ducados observa que não havia profissionais dispostos a trabalhar com a cineasta, então ela e sua irmã tiveram que produzir os últimos filmes de Sarah Maldoror.
Henda também destaca que a família ficou surpresa com a repercussão da morte de Sarah Maldoror em 2020, com reconhecimento de suas realizações. Para Henda, a artista abriu portas para que mulheres negras trabalhassem na indústria cinematográfica, e seu maior legado é ter transcendido fronteiras, fazendo contribuições significativas para o cinema mundial. “Nos seus últimos anos de vida, foi totalmente invisibilizada”, diz.
Sarah Maldoror foi uma poeta e cineasta francesa
©reprodução internet
Antes de se dedicar ao cinema, Sarah Maldoror teve uma carreira no teatro. Em 1956, junto com Toto Bissainthe, Timité Bassari e Ababacar Samb-Makharam, ela fundou a primeira companhia de teatro negro da França, a Les Griots. A proposta era permitir que atores negros interpretassem uma variedade de papéis, em contraste com a realidade da época, em que esses artistas eram frequentemente relegados a papéis marginalizados.
Sarah Maldoror foi casada com Mário Pinto de Andrade, um poeta angolano e fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Tanto na arte quanto na vida, ela militou contra o colonialismo.