Rapper Cristal vê na música um jeito de eternizar memórias do povo negro
A gaúcha Cristal começou sua trajetória artística no slam e hoje explora diferentes musicalidades como rapper
Por Beatriz de Oliveira
04|08|2023
Alterado em 08|08|2023
Natural de Porto Alegre (RS), Cristal Rocha começou a expressar o que sentia e o que pensava através do slam, competição de poesia falada. Logo, encontrou no rap um meio de ampliar o alcance de suas mensagens e desenvolver sua arte. Tem grandes metas para o futuro, mas não deixa de fincar os pés no presente. Cristal entende seu valor, afinal, ela é uma jóia rara.
Criada pela mãe e pela avó, a gaúcha conta que conversas sobre questões sociais eram comuns em casa. Escutar rap também alimentou seu interesse por assuntos ligados à raça. Era uma menina muito tímida até que, aos 15 anos, participou pela primeira vez de um slam. “No slam, tudo que eu queria dizer, eu consegui, de uma forma única, foi quase como um despejo”, lembra.
Já ciente da potência de sua voz, mergulhou no mundo do slam, passou a produzir poesias e a participar de competições pelos dois anos seguintes. Nesse período, participou também de eventos como palestrante e convidada. “Tinham lugares que eram muito nocivos pra mim. Por mais que eu fosse forte, tinha fragilidades, meu emocional ficou abalado”, relata.
Foi nessa crise artística que Cristal decidiu seguir o caminho do rap. Entendeu que seu objetivo na arte era eternizar a memória do povo negro. “A única forma que nós, pessoas pretas, temos de ser imortais é mantendo nossa memória viva”, diz.
Natural de Porto Alegre (RS), Cristal é revelação no rap
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Racismo no lado Sul, dinheiro e vivências
Seu primeiro lançamento como rapper foi a faixa Rude Girls, que aborda o racismo no Sul do Brasil.
Me explica se ainda é normal andar na cidade natal e os pretos se sentir intruso
Trecho da música Rude Girls
Em seguida, veio o hit Ashley Banks, em que a artista rima sobre prosperidade financeira para a população negra.
Montada em dinheiro igual Ashley/ Família rica e preta igual tio Phill
Trecho da música Ashley Banks
Com seus primeiros singles na rua, a rapper Cristal foi convidada por Djonga para participar da música Deus Dará. Outro momento marcante na carreira foi a participação em shows do Emicida durante sua turnê Amarelo.
“Desde o primeiro feat com o Djonga, eu tive suporte de pessoas do underground daqui da cidade e acho que ainda vou conhecer muita gente legal que vai me dar um impulso nessa estrada”, afirma.
Seu disco de estreia veio em 2021 e leva o nome de Quartzo. Em sete faixas, Cristal rima a partir de questões internas, mas que dialogam com seu público. “Mesmo que tu não queira ou que tu não saiba, uma hora elas vão falar contigo, é como se essas rimas fossem seu reflexo, eu não controlo isso. Às vezes eu só acerto” anuncia na faixa inicial.
Recentemente a artista lançou a música Forasteiro, que também conta com clipe. Mais uma vez, as reflexões partem da questão racial e da cena do rap no Rio Grande do Sul.
“Forasteiro é um conceito que a gente criou para denominar o indivíduo que não faz parte de um lugar. Eu encaro isso como se eu fosse um estrangeiro na minha terra natal, mas que se adapta bem aos lugares, sabe de onde veio. Então, por mais que a narrativa da sociedade tenta nos empurrar para as margens, a gente se afirma como o dono de um lugar”, explica.
Visando o futuro igual Ashley Banks
Atualmente a cantora trabalha na produção do álbum Epifania e explora novas musicalidades, como a soul music e o R&B. “To mudando o meu jeito de cantar, usar minha voz de outras formas” relata.
Cristal explora diferentes musicalidades
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A escolha por ir além do rap reflete uma vivência pessoal. A cantora cuidou da avó, que faleceu recentemente. “Esses últimos momentos da vida dela foram uma virada de chave pra mim, me deu uma maturidade e simplicidade no modo de ver as coisas”, diz. E acrescenta: “quero além do rap, e minha vó me ensinou isso, de querer e poder ser mais”.
Olhando para o futuro na carreira, Cristal imagina atingir uma satisfação pessoal. “Quero empreender, abrir uma gravadora, lançar um livro, fazer shows com banda, uma infinidade de projetos. Mas pra tudo isso acontecer, eu sei que o primeiro passo é lançar meu próximo álbum”, diz. Pode ter certeza que o público aguarda ansioso, Cristal.