Mc Dandara: ‘mesmo com 55 anos, tenho certeza que ainda vou explodir pro Brasil e pro mundo’
Conheça a história de Idaulina Alves da Silva, a Mc Dandara, que participou da primeira geração de mulheres no funk e migrou do Maranhão para o Rio de Janeiro para realizar o sonho de ser cantora
Por Amanda Stabile
12|07|2023
Alterado em 09|09|2023
Idaulina Alves da Silva nasceu em 1º de outubro de 1967 em Cururupu, cidade há mais de 100 quilômetros de São Luís, capital do Maranhão. Aos seis anos de idade, em 1973, a menina foi abandonada pela mãe e passou por várias famílias até fugir para morar nas ruas da cidade.
“Eles me batiam muito. Por isso, eu fugi aos nove anos de idade. Eu ficava entre as ruas e a casa das pessoas. Trabalhava vendendo manga, carregando carrinho de supermercado para a mulherada, lavando carro”, lembra.
Ao verem que ela não tinha pais e nem lugar para morar, algumas famílias a levavam para casa para trabalhar como doméstica. “Eles comiam na mesa e, no final, pegavam um restinho de comida que sobrava e faziam um prato pra mim e para a outra empregada”, conta.
“Me levantavam cinco horas da manhã para dar banho em cachorro e limpar um quintal enorme. Quando era mais ou menos por volta das sete da manhã, me mandavam comprar pão. Eu comprava um monte porque eles tinham um monte de filhos, mas, no final de tudo, eu comia só uma bandinha de pão. Então eu começava a fazer grosseria e apanhava”.
Essas lembranças da infância são uma das únicas coisas que a faz chorar, além da preocupação com a filha, Maria Madalena, de 12 anos, que tem síndrome de down. Ela conta que sua mãe morreu sem saber detalhes das coisas que aconteceram com ela, pois nunca voltou para vê-la.
Eu não desejo a minha infância para ninguém, mas o melhor de tudo é que eu venci.
Rumo ao Rio de Janeiro
Mc Dandara hoje em dia
©Márcio Costa
Desde pequena, Idaulina sempre quis ser cantora. Ainda no Maranhão, morou na casa de uma mulher que tinha uma televisão. “A gente não podia parar para assistir, só os filhos dela”, conta.
Mas sempre que a menina passava na sala via alguns trechos. “Uma vez eu vi o Ney Matogrosso cantando e me apaixonei. Eu falei: ‘é isso que eu quero para mim’”, diz. Além do cantor, ela também era apaixonada pela rainha dos baixinhos, a quem assistia na televisão de uma das lojas da rua, que deixava o aparelho ligado 24 horas por dia.
Eu dormia lá na porta com um monte de crianças e adolescentes. E todos os dias de manhã, quando acordava, via a Xuxa. Ela falava: ‘baixinho, nunca desista dos seus sonhos, lute e acredite que você vai conseguir’. Eu achava que ela estava falando comigo.
Com cerca de 19 anos, migrou para o Rio de Janeiro de carona com um recém conhecido, o seu Sandoval. Após ficar comovido com a história de Idaulina, ele a levou para a cidade maravilhosa e arrumou uma acomodação e um trabalho para ela, na casa de sua sobrinha.
“Quando cheguei, ligava para tudo quanto é lado querendo ser cantora. E, para resumir, acabei perdendo o emprego porque ficava gastando muito dinheiro no telefone”, conta. “Ela [a patroa] botou um cadeado no aparelho. Aí eu preferi sair para enfrentar as ruas do Rio de Janeiro”.
O nascimento de Mc Dandara
Mc Dandara a caminho de seu primeiro show
©arquivo pessoal
A trajetória musical de Idaulina começou em 1995, quando adotou Mc Dandara como seu nome artístico. “Nem fui eu que escolhi esse nome, ia ser Doralina. Aí eu conheci uma pessoa que trabalhava lá na Globo e, depois de saber da minha história e ver que eu sou uma mulher guerreira, ela me falou que Dandara tinha tudo a ver comigo”, conta.
Dandara dos Palmares, em quem o nome da Mc é inspirado, foi uma guerreira negra que viveu no Brasil no século 17. Na época, o Brasil ainda era colônia de Portugal e a escravidão era vigente. Nesse contexto, junto do marido Zumbi, Dandara liderou a resistência ao sistema escravagista.
Nesse ano, a Mc participou do Festival de Rap no Merck, um concurso musical que estava acontecendo em uma praça na Taquara, bairro da região de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Ela apresentou uma composição sua inspirada em Benedita da Silva, à época Senadora do estado e uma das únicas mulheres negras na política. Com o Rap da Benedita, Mc Dandara conquistou o primeiro lugar.
A música foi lançada no LP Jet Black, o peso do funk music (volume 7). “Foi quando eu estourei e consegui um empresário”, lembra. Esse sucesso também ajudou a funkeira a realizar um sonho antigo: conhecer a Xuxa e se apresentar em seu programa. “A Xuxa e a Marlene Mattos (empresária da apresentadora na época) me lançaram como artista para o Brasil inteiro”, celebra.
No ano seguinte, 1996, três músicas suas foram lançadas no LP Jet Black, o peso do funk (volume 8): Rap da Xuxa – um agradecimento à apresentadora –, Coração da Favela e Primeiros Passos, em parceria com Marcelo S’Roula.
“Eu gosto muito de cantar o ‘baseado em fatos reais’, a realidade do povo, a minha realidade”, explica. “Agora estou me aperfeiçoando nas músicas dançantes, porque o tempo vai passando, mas eu sou uma relíquia atualizada”, ri.
Nos anos seguintes, outras músicas de MC Dandara fizeram sucesso, como Alcatraz, lançada em 2006 na coletânea Funkão do Tamborzão, do DJ Marlboro, em que ela denuncia a violência nas favelas.
Lá no morro a vida é sofrida, só Deus intercede por nós. E nas noites de balas perdidas, a dor sufoca nossa voz. Vi lá no beco o menino caído, inocente pagou pelo mal que não fez. No último tiroteio, na minha favela morreram foi seis.
Alcatraz (2006)
Em 2008, a cantora lançou Pode me chamar de boa, composição que explora um lado mais sensual do funk.
Pioneiras
Mc Dandara e Mc Biano cantando na Furacão 2000
©arquivo pessoal
Junto de Mc Cacau, considerada a primeira mulher do funk brasileiro, Dandara faz parte da primeira geração de cantoras do gênero. O pioneirismo foi um desafio, mas ela também cita o papel do preconceito racial e de gênero como barreiras na sua trajetória musical.
“Eu sempre compus samba, pagode, forró, axé, gospel, todo tipo de música, e sempre cantei muito bem. Eu ia nessas gravadoras, levava a fita cassete, mas nunca era chamada”, recorda.
Eu vi pessoas na época que não cantavam, mas conseguiram subir para um patamar alto. Depois elas nadaram, nadaram e sumiram do cenário. Acho que elas sumiram por falta de talento e eu por falta de oportunidade.
Dandara, inclusive, é compositora de músicas que fizeram sucesso na voz de outros artistas, como a Nossa Bandeira, cantada pelos Mcs Junior e Leonardo, que fez parte da trilha sonora do filme Tropa de Elite (2007). Ela também escreveu os funks Agora eu tô solteira (2007) e Hoje eu vou beber (2009), interpretados pela Gaiola das Popozudas.
Da década de 90 para cá, a Mc considera que pouca coisa mudou em sua carreira. “Pelo contrário, o tempo passou e eu não consegui avançar. Aqueles que tinham que investir na minha carreira, que estavam junto comigo, não investiram e eu acabei estacionando”, aponta.
Mas ela continua na ativa. Se divide entre novas composições, shows, lançamentos e a barraca de doces que administra em frente ao condomínio onde mora, em Jacarepaguá. “Inclusive, eu moro aqui agora por causa da minha filha. Ela tem síndrome de Down e não dá para me arriscar, eu preciso ficar 24 horas perto dela”, explica.
Sonhos
Primeira vez que Dandara pisou em um estúdio
©arquivo pessoal
Hoje, o sonho de Mc Dandara é conseguir um contrato com uma gravadora que acredite em seu talento e alavanque sua carreira. “Porque só acreditar… eu já encontrei muita gente que acreditou, mas que fez não o necessário”, lamenta.
Ela conta que sempre que suas músicas estiveram entre as mais tocadas nas rádios, por exemplo, nunca foi com a ajuda de nenhum empresário, mas porque fizeram sucesso nos bailes. “As minhas músicas andaram com as próprias pernas”, conta.
“Também sonho em gravar uma música com Ludmila ou então um samba com a Alcione. Já pensou? Cantar com elas é dormir pobre e acordar rica. Êta glória”, diz com um sorriso largo e esperança nos olhos. . “Outro objetivo é comprar um apartamento para morar bem com a minha filha”, revela.
Mesmo com 55 anos, eu tenho certeza que ainda vou explodir pro Brasil e pro mundo.
Onde ouvir?
Poucas músicas de Mc Dandara estão disponíveis no Spotify, mas os seus hits podem ser encontrados nos links disponíveis na reportagem e em seu perfil no Soundcloud.
Esse texto compõe a série Pioneiras do Funk br, que conta a história das mulheres que participaram da construção da cena no Brasil