Bonecas negras são símbolo de representatividade para crianças
A “Era uma vez o mundo” enfrenta desafios para se manter aberta depois da pandemia. Campanha de arrecadação de recursos ganha destaque nas redes sociais
Por Mariana Oliveira
16|06|2023
Alterado em 21|06|2023
Da simples aspiração de uma mãe em decorar o quarto de seu filho com brinquedos até a inauguração de uma loja especializada em bonecas negras, nasceu “Era uma vez o mundo” em 2013. Ao se preparar para a chegada de Matias, a historiadora e professora Jaciana Melquiades costurou bonecas negras que se assemelhavam ao filho que estava por vir, transformando sua própria casa em um espaço de auto identificação. O que Jaciana e seu marido, Leandro Melquiades, não poderiam imaginar era a dimensão que esse desejo familiar tomaria, tornando-se o sonho de outras famílias negras no Brasil.
Após receber pedidos de colegas nas escolas onde seu marido lecionava, Jaciana viu-se capaz de atender às demandas iniciais por conta própria: “Eu costurava e percebi que conseguia realizar as entregas e conciliar com meu trabalho”. À medida que a procura foi aumentando, tornou-se evidente a necessidade de formalizar suas atividades como uma empresa. “Tudo aconteceu de maneira orgânica. As pessoas começaram a solicitar nossos produtos e enxergamos uma oportunidade de negócio”, relata a empreendedora.
Jaciana com bonecas Dandara produzidas pelo “Era uma vez o mundo”
©Era uma vez o mundo / Instagram
A confecção e comercialização dos brinquedos são realizadas em etapas minuciosas. Segundo a empreendedora, nenhuma artesã monta uma boneca completa, cada uma é especialista em um processo específico, desde a costura dos cabelos até o vestir com as roupinhas. “A pessoa que costura as pernas, só costura as pernas. Quem implanta os cabelos, é só isso que ela faz. Por isso, nenhuma boneca é igual a outra e todas saem perfeitas”, destaca.
Em 2019, a loja física foi inaugurada, porém, devido à chegada da pandemia de Covid-19, as portas tiveram que ser fechadas. Mesmo diante desse cenário desafiador, os empresários presenciaram um aumento nas vendas, em um momento em que o Brasil registrou recordes de desemprego. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somente no primeiro trimestre de 2021, foram mais de 15 milhões de pessoas desempregadas. No entanto, o casal é responsável por toda a logística da loja. “Não temos uma equipe de vendas, nem designers para deixar o site como desejamos”, revelam. Com o crescimento das atividades, eles se viram sobrecarregados. Entre meados e o final de 2022, observaram uma queda no acesso ao site e, consequentemente, nas vendas. “Eu, Jaciana, estava exausta. Tínhamos um esforço enorme por parte das mulheres costureiras e estávamos vendendo pouco”, desabafa.
Impacto Social
As bonecas representam apenas uma das facetas do trabalho do casal, que busca desenvolver atividades lúdicas com referências afro, promovendo a representatividade e estimulando o imaginário das crianças. “Participamos de ações em escolas públicas, onde distribuímos bonecas, e é gratificante ver as crianças brincando com entusiasmo e brilho nos olhos. Presenciar essa conexão e afeto é emocionante”.
Por outro lado, durante essas intervenções educativas, também observam outros aspectos do racismo que afetam a sociedade desde a infância.
Algo que me causou um grande impacto foi ver meninas negras brincando de ser mães de bonecas brancas. No entanto, as meninas brancas não fazem o mesmo com bonecas negras. As bonecas negras, quando pertencentes a crianças brancas, são sempre vistas como amigas, nunca como filhas
Atualmente, com o objetivo de se manterem em funcionamento e continuar impactando outras famílias, uma campanha foi criada para a arrecadação de recursos. Esse movimento tem ganhado visibilidade nas redes sociais, evidenciando as dificuldades enfrentadas pelos empreendedores negros no Brasil. A repercussão tem sido significativa, e Jaciana enxerga nisso uma fonte de esperança para dar continuidade à sua marca, almejando, inclusive, a reabertura do ateliê físico.