De uma troca de lâmpadas a um reforma completa, conheça mulheres que ajudam e inspiram sua comunidade com dicas de reforma.
Mariana Oliveira
Atualizado em 15|05|2023
Edificação de casas, apartamentos e prédios comerciais são o “termômetro da economia”. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a construção civil abriu 430 mil novas vagas de trabalho entre março de 2020 e maio de 2022.
Embora o setor seja frequentemente associado a homens, é importante reconhecer a presença de mulheres no mercado de engenharia e arquitetura, inclusive aquelas que atuam em comunidades periféricas. O Nós, Mulheres da Periferia ouviu a história de três mulheres que contribuem com suas comunidades, ajudando as famílias a construir, reformar ou tornar suas casas verdadeiros lares e incentivando outras mulheres a se envolverem no processo de construção com dicas práticas de reforma na internet.
Criada em uma comunidade em que as mulheres tomavam à frente do sustento das famílias, a arquiteta Ester Carro enxergou nessa força a oportunidade de melhorar seu bairro, aplicando seu conhecimento acadêmico e profissional no Jardim Colombo, zona sul de São Paulo (SP), local onde vive até hoje.
Quem vê o currículo acadêmico e profissional de Ester, talvez não saiba muito sobre sua trajetória. Com o pai e tio pedreiros, acompanhou os longos anos para a edificação de sua casa. Na adolescência, descobriu uma paixão pela arquitetura, se graduou na área em 2017 no Centro Universitário FIAM FAAM e reverteu seu conhecimento técnico e profissional em ações e projetos para sua própria comunidade.
Ester Carro, arquiteta e Fundadora do projeto Fazendinhando.
©Ester Carro / Instagram
O ego de alguns colegas de profissão e a incapacidade de enxergá-la como profissional por ser mulher negra, ter engravidado na faculdade e com filho pequeno durante o mestrado, fizeram com que ela lutasse diariamente para reafirmar seu lugar enquanto arquiteta. “Já houve pessoas que tentaram apagar a minha história e diminuir a minha voz de alguma forma”.
Tem gente que só se aproxima para absorver alguma coisa de estética da favela. Hoje tomo muito cuidado quando me relaciono profissionalmente
Ester Carro
Ivanildo de Oliveira, pai de Ester, sempre esteve envolvido com a comunidade do Jardim Colombo e desde os 13 anos, ela segue os mesmos passos. Vivendo de perto os problemas de moradia de seus vizinhos, no fim de 2017, mobilizou voluntários da região para tirar o Fazendinhando do papel.
Movido por voluntários e doações de pequenas e médias empresas privadas, parceiros e pessoas físicas, o projeto visa reformar casas e espaços da comunidade de forma gratuita para os moradores que não possuem condições para realização do serviço. A palavra Fazendianhando vem da construção do parque Fazendinha, que antes da reforma era um lixão, e anos antes disso, era uma pequena fazenda local.
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“Minha primeira reforma foi de uma senhora com cinco filhos. A casa tinha uma escada muito estreita, o filho mais novo tinha caído da escada e levado pontos na cabeça. A casa deveria ser o lugar mais seguro, mas não era”.
Com a dimensão do projeto, Ester conta acompanhar mulheres ingressando no Ensino Superior por enxergarem nela uma igual, alguém que assim como elas passou por dificuldades e conseguiu. “Vejo gratidão por parte delas. Acredito que o empoderamento é marcante, porque assim capacitamos mulheres para trabalhar na construção civil e conseguimos conectá-las ao mercado de trabalho. Elas entendem que não precisam depender de um homem para conquistar alguma coisa ou reformar suas casas”.
Para o futuro, busca fortalecer os projetos já existentes e capacitar mais mulheres para transformar moradias em “verdadeiros lares”. A arquiteta também sonha em abrir um escritório voltado para a arquitetura sustentável para aplicação no Jardim Colombo e em outras comunidades em São Paulo.
Preparar massa, azulejar e assentar pisos são serviços tidos socialmente como masculinos, mas não para Paloma Cipriano. A youtuber, que começou seu canal em 2013, mobiliza mulheres a reformarem móveis e cômodos em suas casas com dicas no estilo “faça você mesma”.
©Arquivo pessoal
Tudo começou quando Paloma resolveu compartilhar o processo de cimentar seu quintal. O bastidor foi visto como positivo para ela e várias mulheres que assistiram ao vídeo, mostrando que aquele não era um serviço para “o homem da casa”. Em contrapartida, os comentários machistas e sexistas que recebeu a desmotivaram um pouco, mas não o suficiente para impedi-la de continuar. “Tudo bem criticar meu trabalho, mas atualmente aprendi que posso apagar comentários que não têm relevância com meu conteúdo e comecei a lidar melhor com isso”.
A mineira da cidade de Sete Lagoas, caiu no mundo da construção sem querer, na adolescência, em busca de aumentar a renda de casa, se inscreveu em um curso de usinagem e mecânica, que oferecia uma ajuda de custo de 12 meses. Mais tarde cursou alvenaria e acabamento. O que Paloma não esperava era o encantamento pela área. “Depois que eu fiz esse curso a minha mãe teve um pouco mais de confiança em me deixar assentar o piso da nossa casa. Ela tinha comprado o piso, mas não tinha o dinheiro para pagar a mão de obra. Ela gostou e isso ficou como responsabilidade minha”.
Paloma reformou outros cômodos da casa e gravou as etapas. Inicialmente o canal e seu conteúdo era mantido escondido dos conhecidos. “Não queria que ninguém soubesse, morria de vergonha. Quando as minhas amigas ficaram sabendo que eu fazia esses trabalhos e me pediam para fazer na casa delas, em resposta eu gravava vídeos ensinando o passo-a- passo para elas mesmas fazerem”.
Eu achava que saber fazer era comum, mas não. Às vezes as meninas deixam de tomar um banho quente para não trocar o chuveiro, ou esperar o pai chegar à noite para trocar um gás. Percebi que era importante esse incentivo
Paloma Cipriano
Paloma queria ser remunerada pelo que fazia. Então não ficou parada, iniciou enviando e-mails para jornais regionais e grupos do Facebook apresentando o seu canal. “Meu sentimento era de que já tinha dado certo”. Saiu do emprego para se dedicar ao canal e, com o crescimento, conseguiu patrocínio de empresas e alguns contratos publicitários.
A criadora de conteúdo não realiza projetos particulares, seu ideal é ensinar o passo a passo e mostrar que qualquer um é capaz de fazer, sem necessidade de apertar o orçamento terceirizando o serviço. Atualmente, conforme a demanda de trabalhos, passou a utilizar a casa de familiares ou amigas para produzir conteúdo. “Começou a acabar as coisas para fazer em casa, selecionei o que dá mais engajamento e faço na casa de conhecidos que precisam do trabalho”.
Com mais de 300 vídeos, seu nicho é complicado para manter um ritmo de postagens. “Não tem como fazer como em canais de beleza que é possível gravar cinco maquiagens em um dia. Às vezes demoro uma semana para gravar um vídeo, porque tem massas e resinas que levam de 24 horas a 48 horas para secar”. Para compensar o baixo volume de vídeos no canal e dar vazão aos retornos que recebe, desenvolveu o projeto “Casa Cipriano”, em que compartilha os vídeos de reformas de suas seguidoras, o que também endossa o desejo de mostrar às mulheres que todas podem realizar serviços tidos socialmente como masculinos. “Era essa a intenção, ser uma comunidade”.
Nathália Santos é gaúcha e vive na Brasilândia, zona norte de São Paulo desde os 15 anos. Encontrou na arquitetura a possibilidade de realizar seus sonhos tirando os projetos de outras pessoas do papel.
Formada em arquitetura na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), e cansada da frieza das relações no mundo da arquitetura, fundou o Studio Ns2. A empresa projeta apartamentos, em grande parte para recém casados ou pessoas que adquiriram seu primeiro imóvel. “90% dos meus clientes são do Minha Casa Minha Vida”.
Nathália Santos durante colação de grau na universidade.
©Arquivo pessoal
Nascida e criada no Rio Grande do Sul com a família, Nathália lembra que na época seus pais sofriam com a construção da casa. “O terreno foi comprado na mesma época em que eu nasci. Então fomos construindo uma história juntos. Foram 12 anos vendo aquela construção, a mudança de pedreiros”. Esse vai e vem seguiu até que sua mãe “intimou” seu pai, que vendeu o carro para contratar uma construtora e dar andamento na obra. “Uma coisa que me marcou foi a visita de uma moça na obra. Ela fez anotações, conversou com meus pais. Depois desse momento as coisas começaram a andar e a reforma foi concluida”. Naquele instante tinha decidido sua profissão.
O Studio Ns2 nasceu em 2017 e proporciona pacotes de arquitetura de interiores com valores a partir de R$800, possibilitando que pessoas que nunca imaginaram contratar uma arquiteta tenham um pacote que cabe no orçamento. “Arquitetura não é luxo. Às vezes somos segregados nesse aspecto e não nos permitimos usufruir”.
Nathália considera seu grande diferencial a relação pessoal que mantém com os clientes desde o primeiro contato.
Nós entramos no mais íntimo das pessoas, que é a casa delas. É necessário que ela goste de mim, e eu tenho que gostar dela para fazer um projeto legal
Nathália Santos
Além dessa conexão, ela não se vê longe da obra. Acompanha passo a passo do trabalho e coloca a mão na massa quando necessário. Compartilhar as etapas nas redes sociais também dá credibilidade ao seu negócio. O cliente não só tem a oportunidade de ver os bastidores da obra à distância, como também é um grande portfólio para novos públicos.
Meu sonho é um dia ter um programa de televisão de reforma de casas. Sempre me imaginei assim e o Instagram foi uma ferramenta que encontrei como alternativa
Nathália Santos
Com o slogan “Há cinco anos descomplicando sua reforma”, a arquiteta vê no estúdio a maior realização de sua vida profissional. “Eu amo o que isso representa na minha vida, o que ele me proporciona e representa na vida das pessoas”. Com 415 projetos assinados, deseja continuar transformando ideias da casa dos sonhos em realidade e trabalhar cada vez mais para pessoas negras.
Quero fazer um movimento para transformar, para que quando pensar em uma arquiteta, imagine uma mulher preta de black power.
Nathália Santos