A Páscoa também pode ser especial para famílias vulnerabilizadas?
Conversamos com a pesquisadora Patty Durães sobre esse tema e também sobre substituições possíveis e saudáveis aos ovos de Páscoa, que são cada vez mais um artigo de luxo
Por Amanda Stabile
06|04|2023
Alterado em 06|04|2023
No próximo domingo (9), celebramos a Páscoa. Além de um feriado cristão, que representa a ressurreição de Jesus, a data também é marcada pela passagem do coelhinho da Páscoa, que traz ovos de chocolate – um item cada vez mais caro nos mercados brasileiros.
De acordo com um levantamento da Horus, empresa de inteligência de mercado, esse ano, os ovos de Páscoa estão até 35% mais caros. O alto preço, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, é resultado do aumento do chocolate, que ficou 13,9% mais caro nos últimos 12 meses.
Na Páscoa, uma das preocupações é o apelo comercial das marcas às crianças, que ocorrem por meio do uso de embalagens coloridas, personagens conhecidos e brinquedos como “brindes” dos ovos de Páscoa. A essas estratégias dá-se o nome de publicidade infantil, ela é abusiva e ilegal, e não acontece só nessa época do ano.
Junto dessa estratégia outra ilegalidade pode acontecer: a venda casada. Esse termo é utilizado para descrever situações onde o consumidor só consegue adquirir um produto se também levar outro. Por exemplo, só é possível adquirir o brinquedo se comprar o ovo ou o lanche. Para saber mais sobre esse tema no site do Criança e Consumo.
Apesar das empresas se apropriarem desse dia para promoverem esses produtos a altos preços, as crianças podem não fazer interpretação social, religiosa ou política sobre essa data. “Elas querem o ovo com embalagem colorida, com surpresa dentro (aliás, querem mais a surpresa do que o chocolate) e querem se sentir como as crianças da televisão. Lindas, felizes e amadas”, explica Patty Durães, pesquisadora de Culturas Alimentares, com foco na ancestralidade e sustentabilidade da produção alimentar das comunidades tradicionais quilombolas.
“Isso é uma crueldade diante da nossa situação de insegurança alimentar, desemprego, falta de moradia, violência nas escolas sendo televisionada de tempos em tempos. Mas infelizmente, somos reféns desse sistema”, pontua a especialista, que também é produtora de eventos gastronômicos, palestrante e, como TEDx Speaker, em 2020, participou do evento em São Paulo com sua apresentação “Descasque mais e Desembale menos”.
Nesse contexto, tem como a Páscoa ser um dia especial também para essas famílias vulnerabilizadas? Conversamos com a especialista sobre esse tema. Confira:
Nós, mulheres da periferia: Para começar, Patty me conta: como é a sua relação com a Páscoa desde a infância?
Patty Durães: Eu fui uma criança que nunca foi apaixonada por doces, com exceção da gelatina, minha piração até hoje. Fui criada pela minha avó, que era uma mulher doce mas muito rígida na minha educação. Não fui uma criança que pedia presentes, que esperava datas comemorativas para ganhar coisas específicas. Já adulta e mãe, confesso que até tentei ser essa pessoa ligada nas datas mas depois de perceber que estava forçando algo em mim … parei! Aí estudando sobre o porquê das coisas, o modo de produção da indústria, o trato humano nas fazendas cacaueiras, entendendo a raiz comercial dessas datas me distanciei mais ainda. Minhas filhas são mais sensíveis a essas comemorações então por elas faço algum movimento, mas como também não são chocólatras, o movimento é mínimo. Teve um ano em que ganhei uma dúzia de ovos caipiras com carinhas pintadas … achei o máximo a capacidade de ressignificação delas. Não quer chocolate? Ok! Mas vai ganhar ovos sim.
Nós: A partir de que idade é seguro para as crianças consumirem chocolate?
Patrícia : O Ministério da Saúde recomenda que a introdução do chocolate na dieta de crianças seja feita a partir dos dois anos de idade. Isso porque o chocolate contém substâncias estimulantes que podem causar agitação, insônia e irritação em doses elevadas. Além disso, o chocolate também pode conter açúcar em excesso, sal, conservantes e gorduras saturadas, que podem contribuir para o ganho de peso, dificuldade de aprendizado e aumento do risco de doenças cardiovasculares. Por isso, é importante que o consumo de doces processados seja moderado e equilibrado, e que as crianças tenham uma alimentação saudável e balanceada, na medida do possível da situação financeira das famílias. Recomendo fortemente o Guia Alimentar para a População Brasileira que traz informações preciosas sobre equilíbrio entre processados, ultraprocessados e alimentos in natura.
Nós: Para aquelas que ainda não podem/não gostam/não querem ovos de chocolate nessa Páscoa, você pode indicar algumas substituições mais saudáveis?
Patrícia: Eu, como entusiasta da cultura alimentar brasileira, vou sempre batalhar para que a gente não deixe morrer a cultura dos doces feitos em casa, e das compotas de frutas. Mas para quem não consegue viver sem chocolate e procura opções menos perigosas, sugiro o chocolate amargo. Esse possui menos açúcar e mais cacau em sua composição, o que resulta em menos calorias e maior quantidade de antioxidantes. Frutas com chocolate derretido. Dessa forma, é possível obter os benefícios do cacau e das frutas, sem excessos. E a banana é sempre uma fruta que a gente encontra com preços acessíveis na feira. A Chef Aline Chermoula tem uma receita de mousse de inhame com cacau que é deliciosa e nenhuma criança vai sentir o gosto do inhame ali. O inhame é um alimento introduzido no Brasil pelos africanos escravizados, tem muitos benefícios pra saúde e o preço está sempre baixo! Lembrando que mesmo essas alternativas mais saudáveis devem ser consumidas com moderação.
Nós: Mais do que um dia sagrado, no imaginário de muitas crianças a data está relacionada aos ovos de Páscoa – que é uma jogada muito esperta do capitalismo. Como você avalia esse cenário?
Patrícia: É importante ressaltar que a Páscoa possui um significado religioso e cultural, além do aspecto comercial. É uma celebração religiosa cristã celebrada em todo o mundo, mas com diferenças em relação a como é festejada em cada país ou cultura. Existem diferentes explicações para o fato que o coelho e o ovo sejam as representações da festa, e quase ninguém sabe explicar porque compra o ovo de chocolate todo ano. Mas há em nós esse desejo de marcação de tempo, e Camila Spolon falou sobre isso em seus stories essa semana.
As empresas têm como objetivo gerar lucros em suas atividades comerciais e, por isso, investem em estratégias de marketing para promover seus produtos. Dessa forma, a venda de ovos de Páscoa é uma manifestação comercial desta data comemorativa. Cabe a cada família fazer suas escolhas de consumo, levando em consideração suas necessidades e valores pessoais.
As crianças não fazem nenhuma interpretação social, religiosa ou política. Elas querem o ovo com embalagem colorida, com surpresa dentro (aliás, querem mais a surpresa do que o chocolate) e querem se sentir como as crianças da televisão. Lindas, felizes e amadas. Uma crueldade diante da nossa situação de insegurança alimentar, desemprego, falta de moradia, violência nas escolas sendo televisionada de tempos em tempos. Mas infelizmente, somos reféns desse sistema.
Nós: Para terminar, a gente está falando de ovos de Páscoa (cada vez mais caros) em um cenário em que milhares de famílias não têm nem os alimentos básicos na mesa. Tem como a Páscoa ser um dia especial também para essas famílias vulnerabilizadas?
Patrícia: Certamente. Mesmo que a celebração da Páscoa tenha se tornado muito comercial, é importante lembrar que a essência da data é o amor ao próximo e a solidariedade, valores essenciais para todas as religiões e para a humanidade em geral.
Para as famílias em situação de vulnerabilidade, é possível que a Páscoa seja um momento de empatia e compaixão, onde comunidades se sensibilizam mais, organizações sociais aumentam seus esforços e instituições ou voluntários se unem para oferecer apoio e auxílio. Alguns projetos fazem doações de alimentos, ovos de Páscoa, cestas básicas, roupas e outros itens.