A pandemia acabou, mas dificuldades na escola ficaram
Conversamos com mães de crianças que estão com dificuldades na escola por impacto da pandemia na educação; falta de foco é um dos itens citados
Por Beatriz de Oliveira
04|04|2023
Alterado em 04|04|2023
Ana Paula Ferreira vive em Recife (PE) e é mãe solo de dois meninos: Arthur, de 10 anos, e Miguel, de seis. Desde o início da pandemia de Covid-19, o mais velho, estudante de escola pública, tem enfrentado dificuldades de absorção dos conteúdos escolares. Ele não está sozinho: para 93% dos professores, a defasagem na aprendizagem dos estudantes é o principal impacto deixado pela pandemia na educação, segundo pesquisa TIC Educação 2021, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).
O mesmo estudo apontou que 58% dos professores entrevistados defendem a realização de aulas de recuperação com uso de tecnologias digitais. Na mesma linha, pesquisa de 2022 feita pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) revelou que apenas 4% das redes municipais de Educação pesquisadas estão oferecendo aulas de recomposição, o que se deve à dificuldades logísticas e de infraestrutura. Em contrapartida, 79% das redes afirmam estar implementando atividades para estudantes que apresentam maiores dificuldades de aprendizagem.
Ana Paula e seus filhos, Arthur e Miguel
©arquivo pessoal
Ana Paula conta que durante as aulas remotas, Arthur não interagia com a professora e com a turma, além de ficar desconcentrado. A alternativa encontrada pela mãe foi ficar ao lado do filho durante as aulas e ter uma conversa com a professora. “Ele não gostava de abrir a câmera para aparecer e falar com a professora, mas eu sempre incentivei que ele interagisse”.
Com a volta às aulas presenciais, Arthur mudou de escola. “Acho que isso agravou um pouco a adaptação dele, por estar em um ambiente totalmente novo”, diz Ana Paula. A rotina da família também foi alterada: a mãe voltou a trabalhar, e após a escola os dois irmãos passaram a ficar na casa da avó.
No meio da rotina agitada, Ana Paula auxilia Arthur e Miguel na realização dos deveres de casa. Também sempre pergunta a eles como foi o dia na escola e o que aprenderam. “No trajeto da casa da avó até a minha casa eu tenho a preocupação de conversar com eles sobre a escola”, conta.
“Foi a ausência de tudo, da terapia, da escola, da socialização”
Gabriela Guedes, de Diadema (SP), também lida com filho que enfrenta dificuldades de aprendizagem por impacto da pandemia na educação. Aos dois anos de idade, Gael, que hoje tem sete, foi diagnosticado com autismo. Além de deixar de frequentar as aulas durante o isolamento social, o menino também ficou sem as terapias que fazia. “Foi a ausência de tudo, da terapia, da escola, da socialização”, relata Gabriela.
No contexto das aulas remotas, Gael não conseguia realizar as atividades passadas pelas professoras, por não estarem adaptadas para ele. “Eu tinha sempre que conversar com a professora e mandar um vídeo dele mostrando que estava tentando fazer as atividades”, conta a mãe.
Gabriela Guedes e seu filho Gael
©reprodução Instagram
Com a volta às aulas presenciais, Gael iniciaria o Ensino Fundamental, no entanto, Gabriela optou por matriculá-lo ainda na pré-escola para que tivesse a experiência de socialização, perdida na pandemia.
“Não só a questão social, mas também a questão pedagógica, de pintar, colar, desenhar, pegar na caneta e pegar cortar um papel. Hoje ele ainda tem essas dificuldades, como reconhecer as letras do nome dele. Tem coisas que ele teve avanço na pré-escola, mas tem outras que ele não conseguiu reaver depois da pandemia”, relata.
Entre as estratégias adotadas por Gabriela para auxiliar o filho nas dificuldades escolares, estão levá-lo num projeto de reforço escolar que existe na sua cidade, as Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs). Também acompanha Gael nas atividades escolares e incentiva que ele use o que aprendeu em casa. “A gente tenta fazer com que ele não perca algumas habilidades que já conquistou”, diz.
Pandemia aumentou desigualdades educacionais
Para a pedagoga Paula Ferreira, o contexto pandêmico escancarou e aumentou as desigualdades educacionais do país. “Muitas crianças, em especial crianças negras quilombolas e indígenas, estão sempre à margem. Quando a pandemia chega, ocorre um aprofundamento de exclusões. A desigualdade é tanta que estudantes de escola pública tiveram muito menos acesso do que estudantes de escola privada”, afirma a integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil (Rede Malala) e do Comitê Pernambucano da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada em janeiro de 2022, mostrou que alunos de escolas públicas tiveram redução de quase duas horas na carga horária diária de ensino, enquanto os estudantes de colégios particulares apresentaram redução de pouco mais de uma hora.
Em sua atuação profissional, a pedagoga visita variadas escolas públicas da região metropolitana de Recife para oferecer formações aos docentes, focadas principalmente em gênero e raça. Desde o retorno às aulas presenciais, Paula tem notado que alunos apresentam dificuldade em se manter concentrados nas aulas e de interagir.
Paula Ferreira é pedagoga
©arquivo pessoal
Outro ponto identificado pela pedagoga como impacto da pandemia na educação foi o abalo na saúde mental de professores e alunos. “A pandemia não trouxe só o isolamento, trouxe perda de pessoas, fora isso muitos lidam com contexto de violência nas famílias. A questão psicológica teve um abalo muito forte e quando chega na escola, isso aparece”, explica.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que no primeiro ano da pandemia, a taxa global de ansiedade e depressão aumentou em 25%.
Para Paula Ferreira, as desigualdades educacionais são mais profundas para as meninas. “Em função da nossa estrutura machista, temos mulheres mais prejudicadas, por terem que lavar, passar, fazer atividades domésticas. Tem meninas que deixaram de estudar, não só por falta de computador e internet, mas por terem de cuidar de seus irmãos mais novos”.
Segundo estudo de 2021 da Plan International, que ouviu 2.589 meninas de 14 a 19 anos, 19% das entrevistadas citou a pandemia como causa da exclusão escolar. Outro dado é que 11,2% das meninas amazonenses deixaram de estudar para ajudar nos afazeres domésticos.
Diante das dificuldades de aprendizagem dos alunos, há uma barreira que impede muitos pais de auxiliar os filhos nas atividades escolares: a baixa escolaridade. “Estamos num país com índice alto de analfabetismo, isso diz muito sobre a dificuldade das famílias de conseguir compreender os conteúdos para ajudar seus filhos”, explica Paula.
Dados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação apontaram que a taxa de analfabetismo no Brasil era de 6,6%, o que representa 11 milhões de pessoas.
Por fim, a pedagoga avalia que a maior preocupação das escolas em relação ao impacto da pandemia na educação tem sido em como acolher estudantes da melhor forma e buscar estratégias para suas demandas coletivas.