Foto mostra Ediane Maria de braços cruzados em frente a janela

Ediane Maria: ‘o quarto da empregada te silencia e te torna apenas mais um’

Vinte anos depois de migrar de Pernambuco para trabalhar como doméstica, ela conquistou a vigésima maior votação entre os candidatos à Câmara dos Deputados de São Paulo

Por Amanda Stabile

24|03|2023

Alterado em 27|03|2023

Ediane Maria do Nascimento chegou em São Paulo (SP) com apenas 18 anos e a esperança de um futuro cheio de oportunidades. Sétima filha em uma família de oito irmãos, a menina migrou do sertão de Pernambuco para trabalhar como doméstica, mesma profissão de sua mãe, a dona Raimunda.

Vinte anos depois, em 2022, Ediane foi eleita Deputada Estadual por São Paulo, filiada ao PSOL. Ela também conquistou a vigésima maior votação entre os candidatos do estado e tomou posse de seu cargo no último dia 15 de março.

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“Ediane é essa mulher, que é mãe solo de quatro filhos, moradora da periferia de Santo André (SP), coordenadora estadual do MTST e uma das fundadoras do Movimento Negro Raiz da Liberdade”, contou.

©Jessy Alves

O começo

“Eu cresci ajudando minha mãe no trabalho doméstico e ouvindo as histórias dos filhos dos patrões. Eles viajavam para outros estados e nas férias vinham para Recife (PE). Contavam: ‘Tô fazendo faculdade de direito’. E eu imaginei que o meu destino também seria assim”, conta. “E eu vim por indicação da minha mãe, que cuidou da minha ex-patroa enquanto criança. Essa criança cresceu e veio morar em São Paulo, teve filhos e eu vim para cá para ajudar”.

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“Eu pertencia a um lugar e chegar aqui tirou toda essa identidade e o pertencimento da cidade de mim”, recordou.

©Jessy Alves

Nessa época, ela ainda não tinha o entendimento de como ser mulher, negra e uma migrante no estado de São Paulo afetaria a forma como o suas vivências seriam construídas. Então ela parou os seus estudos enquanto cursava o último ano de Magistério – curso profissionalizante que era realizado junto ao Ensino Médio que capacitava profissionais para dar aulas – para viver novas possibilidades.

“Eu não terminei o curso porque eu imaginava que ia terminar os meus estudos aqui. Eu cheguei no mês de março achando que iria achar um cenário maravilhoso e que no final do ano eu ia lá nas férias contar coisas boas. Mas não foi isso que aconteceu”, recorda. “O quarto da empregada é aquele lugar que silencia, que invisibiliza, e que te torna apenas mais um”.

Nessa travessia, Ediane conta que as pessoas acabam perdendo a identidade, algo que ela sentiu na pele e que aponta ser também a história de milhões de migrantes que vem construir o estado mais rico da América Latina. “Então a Ediane é essa mulher, que é mãe solo de quatro filhos, moradora da periferia de Santo André (SP), coordenadora estadual do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e uma das fundadoras do Movimento Negro Raiz da Liberdade”.

Tomada de consciência política

Ao chegar em São Paulo, após uma viagem de ônibus de três dias, dividindo a farofa e o frango com desconhecidos que viraram amigos, Ediane logo notou que tinha algo errado com aquela realidade. “Porque mesmo a periferia de Floresta (PE) [cidade onde nasceu] não era assim. Nós tínhamos espaço, um quintal grande, a rua larga pra gente brincar, um convívio. Então eu pertencia a um lugar e chegar aqui tirou toda essa identidade e o pertencimento da cidade de mim”, recorda.

Além disso, para ela, a pressa das pessoas na cidade fazia com que ninguém parasse para te ouvir e nem para questionar as coisas que precisavam de uma mudança. “Isso te dá um choque de realidade e você começa a lutar sozinho. Então a minha militância começou a partir do questionamento da cidade”, conta.

Em 2017, após anos na capital, Ediane aguardava na fila para pegar o leite entregue pelo Governo do Estado em Santo André e questionava o funcionamento dessa política pública quando conheceu uma integrante do MTST. “Você gosta de conversar com gente, né. Vou te apresentar um movimento que eu acho que você vai gostar”, disse a mulher.

Assim, em setembro daquele ano, Ediane iniciou sua militância por moradia. “Eu entrei nessa luta porque mesmo trabalhando eu não conseguia financiar, não conseguia nada. O máximo era pagar as contas e comer mal”, lembra. “Lá eu comecei a entender que a luta é coletiva e que pessoas como eu, que nem sabiam que moradia era direito, precisavam se organizar”.

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“Minha militância começou a partir do questionamento da cidade”

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Nós, mulheres das periferias de São Paulo

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Trazer as periferias para o centro dos debates é um dos sonhos de Ediane

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Quando Ediane começou a olhar para o direito à moradia e à cidade por uma perspectiva envolvendo gênero, raça e classe sua luta se amplificou. Ela percebeu que quem mora nas periferias são principalmente as mulheres negras, trabalhadoras, que não têm o direito legítimo de morar e sem acesso à saneamento básico e até à energia elétrica.

A partir desse conhecimento, ela então começou a reivindicar melhorias para essa população e direitos para mulheres que, como ela e sua mãe, trabalhavam como domésticas e diaristas.

“Muitas mulheres só conquistaram o primeiro registro na Carteira de Trabalho graças à PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das domésticas, que acabou de fazer 10 anos. Só que ainda é preciso ter mais investimentos e mais fiscalização”, alerta.

Vivendo o sonho

“Eu nunca imaginei ocupar a política partidária, porque nossos corpos nunca ocuparam esses espaços”, conta Ediane. Ela ainda aponta que a conquista de posições de poder automaticamente atrai pessoas para descaracterizar as suas lutas e defender o monopólio que sustenta a manutenção do capitalismo.

Porém, assim como quando tinha 18 anos, ela continua sonhadora. “Os meus sonhos são esses: ocupar esses lugares, aquilombar a política, e executar um mandato coletivo, que ouve os movimentos, que faz coisas dentro da Assembleia Legislativa e que traz o povo e as periferias para o centro dos debates”, conclui.

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© Jessy Alves

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Esta reportagem integra a série “Feminismos”, uma parceria do Nós com a Fundação Rosa Luxemburgo. A série conta histórias de mulheres que têm a política como propósito de vida.