Foto mostra Juscelino Filho, novo ministro das comunicações, durante cerimônia de posse

‘O governo erra ao colocar o Ministério das Comunicações na mão da direita’

Conversamos com Gizele Martins, mestre em Educação, Cultura, Comunicação e Periferias Urbanas, sobre a nova estrutura do Ministério das Comunicações e a importância da pasta no governo Lula

Por Amanda Stabile

20|01|2023

Alterado em 20|01|2023

Nos últimos anos, o Ministério das Comunicações (MCom), responsável por atuar na política de comunicação e divulgação do Governo Federal, sofreu uma série de desmontes. Em maio de 2016, poucas horas após assumir a presidência da república, o ex-presidente Michel Temer (MDB) assinou uma Medida Provisória que extinguiu o Ministério, integrando-o ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O MCom voltou a existir em junho de 2020, após determinação do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

No começo desse ano, quando Lula (PT) assumiu a presidência do país, o Ministério foi reestruturado, Juscelino Filho (União Brasil) assumiu como ministro, e tem o desafio de “entender a comunicação como uma grande estratégia política”. É o que aponta Gizele Martins, que é comunicadora comunitária, cria da Maré, conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), e mestre em Educação, Cultura, Comunicação e Periferias Urbanas pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF).

Conversamos com a especialista sobre a recente organização do MCom, as prioridades da pasta e a importância da comunicação em um governo que é visto como comunista por parte da população. Confira:

Nós: Para começar, me conta: qual a importância do Ministério das Comunicações para o país?

Gizele Martins: Eu acho fundamental que se tenha o Ministério das Comunicações porque a comunicação é central no nosso país e em qualquer lugar do mundo. Ela tem o grande poder de informar, mas também de influenciar politicamente. No governo passado, por exemplo, a gente pôde experimentar a importância de se ter uma comunicação séria. O governo passado foi um governo que investiu em empresas de fake news, mentindo sobre vacinas, sobre Covid-19. Então, é essencial que se tenha uma comunicação que seja voltada para nós, para o povo, com a nossa linguagem, com os nossos objetivos.

Nós: Você tem críticas a atuação do Ministério na gestão anterior? O que acredita que o novo governo precisa melhorar em comunicação neste ano?

Gizele: Nos dois primeiros governos do Lula a gente teve inúmeras conferências, tanto municipais e estaduais, quanto uma Conferência Nacional de Comunicação, em 2008. Tivemos vários investimentos dos governos passados na comunicação, mas também foram governos que criminalizaram, censuraram e fecharam inúmeras rádios comunitárias.

É sempre uma dúvida se o PT (Partido dos Trabalhadores) entende a comunicação como uma grande estratégia política. E novamente volta a errar colocando o Ministério das Comunicações na mão da direita.

A importância de se ter uma comunicação na mão da esquerda seria, nesse momento, investir na mídia comunitária, popular, na comunicação pública, no audiovisual público. Que seja do povo, colocando a diversidade que o nosso país tem, uma linguagem acessível para todos e todas e tentando fazer um governo que dialogue com a população a partir dessas mídias. Porque quem comunica hoje nas favelas, nas periferias, são as mídias comunitárias e populares.

Nós: Como você avalia a escolha de Juscelino Filho, um político filiado ao União Brasil, como Ministro das Comunicações, considerando que uma das autocríticas dos governos anteriores do Lula tem relação com uma comunicação mal feita?

Gizele: Para surpresa nossa, nesse novo governo do Lula, o Ministério das Comunicações está novamente nas mãos de um ministro que é ligado ao governo passado, à União Brasil. O que significa que, mais uma vez, ou a gente tem um governo atual petista que não acredita que a comunicação seja central ou o nosso país está tão vendido na mão da direita, e que não se consegue negociar e ficar com um Ministério tão importante quanto o da comunicação, algo tão central que deveria estar, neste momento, ao lado das políticas prioritárias de esquerda.

Nós: Qual a importância da comunicação num governo que é visto como comunista por parte da população?

Gizele: A importância que se teria de ter essa comunicação seria mostrar que, na verdade, a gente nunca vivenciou no Brasil nada nem perto do comunismo. Nunca tivemos e estamos bem longe disso. Então traria ali uma visão política mais assertiva, que dialogasse mais com a população e que deixasse essa população tranquila em relação àquilo que está sendo feito politicamente nesse governo. Tiraria essa ideia de que a gente vive um comunismo. Quem dera se a gente vivesse um comunismo e também uma comunicação com o Ministério nas nossas mãos. A gente falaria mais sobre as nossas visões.

Nós: Dentre os principais compromissos destacados pelo ministro durante a posse, ele citou a ampliação do acesso dos brasileiros à internet e a melhora da conectividade em escolas. Como você enxerga essas prioridades e quais você adicionaria?

Gizele: Eu acho fundamental que se fale sobre o acesso livre à internet. Mas temos que lembrar que as grandes empresas de telecomunicações, de telefonia, de internet, estão nas mãos de empresários, assim como os grandes meios de comunicação comerciais no Brasil. E a maioria deles tem dinheiro público. 

Devemos, assim, criticar esse governo e os governos anteriores que nunca democratizaram a comunicação no Brasil. Não temos uma comunicação democratizada, a maior parte da nossa comunicação está nas mãos das grandes empresas.

Um país desse tamanho tem poucas famílias donas dos meios de comunicação. Então nessa ideia de ampliar o acesso à internet é preciso pensar qual o acesso que vamos ter. Deveria ser público, mas a gente tá longe disso no nosso país. 

Eu moro na Maré e aqui não tem acesso à internet nem à telefonia. Essas empresas não chegam onde eu moro porque dizem ter medo do lugar, dizem que é área de risco. Ou seja, a gente está num passo muito anterior. Muito antes de se falar em ampliação de acesso, a gente tem que primeiro falar em garantia de direitos à internet e à comunicação pública no Brasil, algo que ainda não temos.

Precisamos falar das mídias comunitárias que foram fechadas nos governos anteriores, recuperá-las, e garantir que essas comunicações em todo país sejam produzidas. Temos comunicações se virando de formas muito fragilizadas depois de tantos anos de censura, de prisões e de fechamentos.

O artigo Rádios Comunitárias e a Luta Pela Democratização da Informação, escrito pela jornalista Amanda Stabile ainda enquanto estudante, apresenta um estudo de caso sobre a Rádio Cidadã FM, que atua no bairro Butantã, em São Paulo (SP). O veículo nasceu como clandestino, em 1994, e passou pelo processo de silenciamento ao ser fechado pela Polícia Federal em 1997. Após isso, só foi reaberto em 2013 por conta de toda a vagarosidade das leis e processos que dependem do Estado.

É um governo que ainda não prioriza a comunicação, muito menos a comunitária.

O nosso país, que se diz democrático, precisa garantir a democratização da comunicação, mas infelizmente estamos muito longe disso. Precisamos de um governo que garanta a comunicação comunitária como parte desse projeto político.

Porque foi a comunicação comunitária, que durante a pandemia falou com as populações mais empobrecidas, indígenas, quilombolas, no campo, na favela.  Fomos nós que revertemos algumas fake news. 

Além de valorizar essa comunicação é garantir financiamento público e entender a comunicação como estratégia política, algo que esse partido ainda não fez. Também precisamos, novamente, ressuscitar os movimentos pela democratização da comunicação. 

No governo passado, a gente não tinha nem chance de cobrar alguma coisa; nesse, temos e precisamos estar de pé enquanto comunicadores comunitários, populares, sindicalistas e movimentos sociais. Precisamos dizer que a comunicação é algo estratégico no nosso país e que queremos uma comunicação democrática. 

A gente precisa ressuscitar os movimentos pela democratização da comunicação já que no governo passado, estávamos lutando pela vida junto às nossas comunidades empobrecidas em todo o país.