Luta por moradia

BA: Dona Mira e outras mulheres ‘seguram o reggae’ na luta por moradia

Dona Mira, coordenadora estadual do MTSB, ingressou no movimento ao buscar uma casa própria e destaca o papel das mulheres no movimento.

Por Beatriz de Oliveira

07|12|2022

Alterado em 09|12|2022

“Quem chegava primeiro nas ocupações, quem organizava o almoço, quem organizava tudo eram as mulheres. Mas na hora de chamar para a reportagem, eram os homens que apareciam”. A constatação é de Dona Mira e veio após anos se dedicando à luta por moradia.

Aos 63 anos, Mira Alves, conhecida como Dona Mira, é coordenadora estadual do Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB). Liderança também de outras coletividades, a coordenadora diz que sua militância ocorre “24 horas por dia”.

Nascida na cidade de Castro Alves, interior da Bahia, é a mais velha de cinco irmãos. Aos 15 anos, perdeu a mãe. “Quando ela faleceu eu estava entrando no primeiro ano do segundo grau [equivalente ao Ensino Médio hoje]. Ela não chegou a ver minha formação concluída”, diz Mira, que mesmo em meio às dificuldades seguiu nos estudos para realizar o sonho da mãe, que também era o seu.

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Dona Mira olha fotos e relembra trajetória de luta por moradia

©Bruna Rocha

Mudou para Salvador no início da década de 1980 para “tentar ganhar a vida”. Durante essa trajetória morou em casa de parentes, em casa alugada e em ocupações. Hoje, tem sua casa própria, conquistada por meio do programa Minha Casa Minha Vida, na cidade de Simões Filho, a 30 km de Salvador.

A militância no MSTB se iniciou em paralelo à sua busca por um lar para chamar de seu. Dona Mira e os três filhos estavam morando na casa de seu irmão, quando ela assistiu na TV que havia surgido uma nova ocupação do MSTB. Achou a atitude dos ativistas correta, em ocupar uma área sem uso. “Quando vi, achei interessante. As pessoas precisam, tem que ocupar mesmo”, lembra.

O local era próximo de onde estavam, então, a baiana não pensou duas vezes: foi até a ocupação e disse que queria se mudar para lá. “Fui para casa, peguei fósforos e velas, lençóis e outras coisas, coloquei na minha sacolinha. Fui e nunca mais sai dessa luta”, relata.

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Dona Mira mostra foto da primeira ocupação em que morou

©Bruna Rocha

A partir dessa primeira experiência, o espaço de ocupações passou a ser cenário rotineiro para Mira. Primeiro começou a participar das reuniões, depois organizá-las e participar das manifestações. Hoje, como coordenadora do MSTB, faz visitas e presta assistência às ocupações da região. “Eles [moradores das ocupações] ligam, informando sobre a invasão dessa suposta segurança pública, que chega no acampamento de madrugada metendo os pés nas portas”, conta sobre uma das demandas que lida na militância.

‘A moradia não é uma luta a quatro paredes’

A coordenadora explica que a luta por moradia não se resume a “quatro paredes”. É preciso morar onde haja escola, mercado, equipamentos de saúde. “Nós sentimos na pele o que é receber uma moradia num local sem estrutura de sobrevivência. Muitas pessoas acabaram abandonando, porque não dá pra ficar com duas, três crianças pequenas morando em um espaço onde não tem quase ninguém por ali, longe de parentes”..

Outro ponto reivindicado pelo movimento é acerca do nome em que ficará registrada a casa adquirida através de programas habitacionais do governo. Mira conta que no início do Minha Casa Minha Vida as propriedades eram registradas no nome dos homens. A partir disso, se registrou casos em que os maridos brigavam com as esposas e as expulsavam de casa com os filhos. Já durante o governo Dilma, por meio da Medida Provisória (MP) nº 561/2012, os lares passaram a ser registrados, preferencialmente, em nome das mulheres.

As mulheres são protagonistas do movimento de luta por moradia, tanto que a grande maioria das coordenadoras das ocupações são mulheres. Há também uma grande quantidade de mães solo vivendo nesses locais. São as mulheres, por exemplo, que chegam primeiro e organizam uma ocupação que está se formando. Elas também estão presentes nos momentos de confronto com a polícia.

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Mira Alves, conhecida como Dona Mira, é coordenadora estadual do Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB)

©Bruna Rocha

“A gente ficava na ocupação, os homens saíam para trabalhar, os coordenadores iam para suas casas, e ficava a gente lá [mulheres] para ‘segurar o reggae’. Quando a polícia invadia, era a gente que ia pra frente. Quando o oficial de justiça chegava para tomar o espaço, eram as mulheres que estavam lá”, conta.

Educação popular e associação de moradores são outras lutas que Dona Mira está envolvida. Seu papel de liderança veio de forma natural. Há ainda um movimento que a baiana não gostaria de estar, mas considera uma luta importante: Mães de Maio, que reúne mulheres que tiveram seus filhos assassinados pelo Estado. Dona Mira perdeu dois filhos, Rodrigo Nascimento, morto em 2017, e Rafael Nascimento, morto em 2020.

‘Eles chamam de guerra às drogas, mas é guerra ao povo preto’

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Dona Mira vive na cidade de Simões Filho, a 30 km de Salvador.

©Bruna Rocha

“Eles morreram por conta dessa tão chamada guerra às drogas”, lamenta e continua: “Eles chamam de guerra às drogas, mas é guerra ao povo preto, é racismo, eles matam preto, pobre e periférico. Não vão lá na Barra, na Ondina, na Pituba, invadir casas de usuários. Eles só vem nas portas dos pretos. É um pacto pela morte dos nossos”.

A luta pela vida da juventude se torna então central para Dona Mira. “Eu já estou com 63 anos e nesse período eu vi muito jovem indo embora. Então, a minha grande preocupação, sobre todas as outras, é o que está ocorrendo com a nossa juventude. Meninos morrendo com 15 anos de idade, não viveram praticamente nada. Se chegamos a esse ponto é porque o Estado tem uma falha muito grande em relação à estrutura familiar”.

Questionada sobre o Brasil que quer construir por meio da sua militância, ela responde: quer viver em um país que cuide da juventude e do meio ambiente. “No pouco de vida que ainda tenho, eu possa respirar tranquilamente e me sentir segura”.


Esta reportagem integra a série “Feminismos”, uma parceria do Nós com a Fundação Rosa Luxemburgo. A série conta histórias de mulheres que têm a política como propósito de vida.