Medo, insônia, tensão: por que os jovens estão cada vez mais ansiosos?
Ao observar sintomas de ansiedade em outros colegas, as jovens Mariana Nunes e Raíssa Miranda criaram projetos de acolhimento. Psicóloga comenta como a pandemia interferiu na saúde mental de adolescentes.
Por Beatriz de Oliveira
19|04|2022
Alterado em 19|04|2022
Desde os 14 anos de idade, a saúde mental é um tema que interessa Mariana Nunes, que hoje tem 19. Moradora da cidade de Conceição de Almeida, no interior da Bahia, ela escreveu um projeto de lei que propunha meditação, pintura e musicoterapia para estudantes da rede pública mediados por atendimentos de psicólogos e psicopedagogos. Isso a levou, aos 16 anos, a participar do Parlamento Jovem Brasileiro (PJB), programa que permite que estudantes simulem a jornada de trabalho dos deputados federais, em Brasília.
O desejo de atuar na área da saúde mental foi impulsionado por situações que viu colegas vivenciarem. “[Na escola] aconteciam muitos casos de automutilação e a maioria era por parte das meninas”, conta a ativista pela saúde mental e direitos humanos.
Em 2020, Mariana criou a Rede Autoestima-se, que por meio de trabalho voluntário, oferece atendimento psicológico nas cinco regiões do país. A ONG (Organização não Governamental) atua também na produção de conteúdos visando democratizar o acesso a informações sobre saúde mental e na difusão de práticas holísticas, como a meditação.
“Na escola aconteciam muitos casos de automutilação e a maioria era por parte das meninas”
“As crises ficaram ainda mais fortes”
Na cidade de Cabrobó, em Pernambuco, alunos da Escola de Referência em Ensino Médio José Caldas Cavalcanti, criaram o projeto Menos Aterrado: Uma Questão de Autocuidado. Perceberam que com as aulas remotas e o isolamento social, no contexto da pandemia de Covid-19, alguns colegas apresentaram sintomas de ansiedade e depressão.
A partir disso, a iniciativa promove atividades de autocuidado, rodas de conversa, palestras, meditações e passeios. Contando também com a revitalização de uma praça e reativação da rádio escolar. “A ideia inicial desse projeto foi quando pesquisamos sobre o que os jovens necessitam dentro da escola. E aí veio a resposta: acolhimento”, relata Raíssa Miranda, estudante do 3º ano do Ensino Médio e uma das fundadoras do projeto.
Raíssa Miranda é estudante do 3º ano do Ensino Médio
©arquivo pessoal
Ela percebe um aumento de ansiedade entre seus colegas com a pandemia. “Uns desenvolveram [ansiedade] no decorrer dos dias pandêmicos e outros que já tinham, só que as crises ficaram ainda mais fortes”.
A experiência com esse sentimento também é pessoal para Raíssa, que sente pressão para prestar o vestibular e escolher que faculdade cursar. “Aí vem a questão da crise de ansiedade dentro da escola”.
Sentimento de ansiedade X transtorno de ansiedade
A psicóloga Nathália Mariano também percebe um agravamento da ansiedade com a pandemia e aponta que é preciso entender que os jovens não voltaram às aulas presenciais da mesma forma que saíram. Ela é colaboradora da Comissão de Psicologia Escolar e Educação de Londrina, no Paraná, e criadora do canal Mediação – Psicologia Escolar e Educacional, que divulga informações sobre essa área no Youtube e no Instagram.
Um mapeamento da Secretaria da Educação de São Paulo feito com 642 mil estudantes da rede estadual mostrou que 70% deles apresentam sintomas relacionados à depressão e ansiedade. No levantamento, feito com alunos do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio, foram relatados itens como dificuldade de concentração, sentimento de esgotamento e de estar sob pressão, e perda de confiança em si.
Em uma escola estadual de Recife, (PE), um caso chamou a atenção. Um grupo de 26 alunos de diferentes séries protagonizaram uma crise de ansiedade coletiva. Entre os sintomas: sudorese, saturação baixa e taquicardia. Dezesseis profissionais da saúde foram até a escola prestar atendimento aos estudantes. Para Nathália, o episódio expõe a necessidade da presença de psicólogos no ambiente escolar.
É preciso diferenciar o sentimento de ansiedade com o transtorno de ansiedade. Nathália explica que o primeiro caso antecede momentos de pressão, como a apresentação de um trabalho e a realização de uma prova. Já no transtorno de ansiedade, a pessoa convive com esse sentimento boa parte do tempo e não tem mecanismos para lidar com isso. Nesse caso, é preciso passar por avaliação neurológica para receber o diagnóstico.
Mariana Nunes é ativista pela saúde mental e direitos humanos.
©arquivo pessoal
Nos atendimentos da Rede Autoestima-se, Mariana conta que recebem muitas queixas de pais e responsáveis que não sabem lidar com jovens que apresentam sintomas de ansiedade. Para Nathália, o caminho é de escuta e acolhimento. Ela recomenda perguntar aos filhos sobre seu dia a dia e orientar que se estiverem passando por alguma situação difícil podem contar. Buscar informações sobre o tema também é válido.
Agravamentos de vulnerabilidades sociais afetam saúde mental
Entre outras coisas, as aulas remotas no contexto pandêmico afetaram a socialização de crianças e adolescentes, que têm na escola um local para desenvolver laços e relações. A partir disso, alguns estudantes desenvolveram fobia social, como relata a psicóloga.
“O ser humano é um ser sociável e um dos problemas em relação à pandemia foi tirar essa pessoa do contexto grupal, do convívio que ele estava acostumado”.
Mais um ponto que afeta a saúde mental dos jovens é o agravamento de questões sociais. Há mais pessoas com fome, o preço dos alimentos está mais caro e há maior desemprego. Conviver no dia a dia com este cenário interfere na saúde mental. “Como vamos querer que o estudante consiga se desenvolver de forma típica, sendo que em casa ele não tem recursos, não tem luz, não tem água ou às vezes não tem alimento?”, questiona a psicóloga.
São os jovens negros que mais sofrem neste cenário. Segundo pesquisa “Olhe para a fome” realizada em 2020 pela Rede Pensaan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar), mais da metade das famílias brasileiras passam por insegurança alimentar, sendo a população negra a mais afetada. A fome, insegurança alimentar grave, esteve presente em 10,7% das residências habitadas por pessoas negras.
Nathália acrescenta que não é possível pensar a realidade escolar sem considerar o contexto. Em meio a isso, jovens lidam ainda com a frustração de não ir bem na escola e com a autocobrança. No caso dos adolescentes, vivem uma fase de transição, naturalmente repleta de emoções, de adquirir mais responsabilidades, anseio de conviver e se inserir em grupos, passar por mudanças no corpo. “Se algo não vai bem, afeta o contexto geral”, salienta.
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