“O Escola Sem Partido defende a manutenção do pensamento único”, alerta professora da periferia de SP

Na última quinta-feira (13), o Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciou o programa Escola Sem Partido que limita a atuação e liberdade de expressão de professores dentro das unidades escolares. No documento, o grupo de relatores aponta que, se aprovado, o programa irá representar uma “violação” aos direitos à educação e […]

Por Redação

10|04|2017

Alterado em 10|04|2017

Na última quinta-feira (13), o Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciou o programa Escola Sem Partido que limita a atuação e liberdade de expressão de professores dentro das unidades escolares. No documento, o grupo de relatores aponta que, se aprovado, o programa irá representar uma “violação” aos direitos à educação e liberdade no Brasil.

Leia também: Educadoras da periferia apontam os perigos do Escola Sem Partido

O documento da ONU mostra a trajetória do movimento e como a iniciativa tem influenciado na tramitação de projetos ligados à área educacional, como a retirada, no dia 6 de abril, de termos como “orientação sexual” e “identidade de gênero” da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular, documento que direciona o currículo das escolas em território nacional. A denúncia apontou ainda as visitas do vereador Fernando Holiday nas últimas semanas a algumas escolas públicas da cidade, de forma completamente arbitrária.

Entenda

Criado em 2004, o Escola Sem Partido é um movimento idealizado pelo procurador de Justiça do estado de São Paulo Miguel Nagib, que defende que o modelo educacional brasileiro é um espaço de doutrinação, pois, para ele, as professoras e professores estão multiplicando suas ideologias e posições partidárias junto aos estudantes. O movimento prega que deve haver, em toda sala de aula, um cartaz ditando regras ao exercício dos educadores, impedindo que discussões sobre política e religião, por exemplo, sejam realizadas em sala de aula, para não incitar estudantes a participarem de protestos.

O Nós, mulheres da periferia conversou com a professora da rede pública Patrícia Teixeira, para saber como o projeto ressoa no espaço escolar e influencia diretamente no trabalho de educadores e educadoras na periferia.

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Crédito: geralt / pixabay

Veja abaixo: 

Espaço escolar: espaço de manutenção ou transformação? A construção do conhecimento, segundo a dialética de Hegel, se dá quando uma tese é contraposta por uma antítese e forma uma síntese, que se tornará uma nova tese a ser questionada consecutivamente.

O movimento Escola Sem Partido defende, em nome de uma legitimidade constitucional burocrática de direito, uma manutenção do pensamento único que, se tivesse sido a prática humana, não teríamos descoberto nem a agricultura, provavelmente seríamos nômades e estaríamos nos abrigando em cavernas.

O lema “Meus filhos, minhas regras” é de uma redução da capacidade de acreditar no potencial da juventude, assustadora. Dizem uma coisa e defendem outra, pois justificam em nome da liberdade de seus filhos, que estes não tenham acessos a pensamentos contrários aos deles ou aos seus, em detrimento de não pensarem em outras possibilidades. Como se fossem prontos e acabados em suas incapacidades de decidirem.

Ao contextualizar estas ideias dos defensores do Escola Sem Partido, fica ainda mais grave, pois representam um retrocesso conservador em defesa de autoritarismo, racismos, machismos, homofobias, xenofobias e exclusões que estiveram domesticados ou silenciados por um tempo e que, com as conquistas e empoderamento recentes, no campo das diversidades, saíram de seus casulos, se dizendo representantes de direitos e se orgulhando em defender reacionarismos como verdades absolutas, únicas.

Direitas e esquerdas cometeram, cometem e cometerão erros. Erros tais como ditaduras, torturas, extermínios, cerceamentos de liberdades, aniquilamento, em nome de pensamentos únicos ou de ideologias, podemos citar os fascismos da extrema direita e os stalinismos de esquerda. Ambos cometeram atrocidades, mas nem estes em seus extremos defenderam a existência de seres humanos tão incapazes para se dizerem sem ideologias.

Dizer que os alunos são adestrados e cativos de professores é negar a capacidade humana de pensar por si só frente às diferentes ideias, é uma das formas mais desumana de tratar o ser humano em suas múltiplas inteligências.

Por muito tempo os esquerdistas sensíveis às mazelas sociais defenderam a ideia de que os direitistas, defensores do capitalismo neoliberal, não compreendiam suas ideias e por isso eram contra, este argumento não se sustenta. As pessoas sabem o que defendem e defendem todos os conceitos excludentes sem questionar quantas vidas isso irá custar, sem sofrer por isso, justamente porque acreditam que existem seres humanos que merecem, vale mais que outros e que o Estado deve existir para garantir aos “superiores” sua cidadania. Querem aplauso e precisam ver miserabilidade generalizada para se sentirem bem.

Usar o discurso de neutralidade ideológica para manutenção do capitalismo neoliberal como única realidade é pregar novamente o fim da História, é negar a dialética da vida. A História humana se constrói das vontades individuais que somadas formam os fatos históricos em suas relações dialéticas: pensamento, ação, reação e reinvenção, entre reflexão e prática. Somos seres pensantes capazes, se quisermos enxergar além do que está posto, podemos formar opinião para além das opiniões dos outros. “Subir no pelo do coelho ”, como diz Jostein Gaarder, em o Mundo de Sofia,  ampliar nosso olhar, sermos menos alienados. Não é só uma questão de conhecimento, é também de querer ser sensível às demandas de toda a humanidade, porque a humanidade somos todos nós.

Estes debates suscitam reflexões sobre a democracia, representatividade e ética. Não qualquer ética, mas a ética no sentido humano maior, onde todos os seres humanos, nenhum a menos, valham mais que o outro. As relações democráticas, que ainda engatinham em nossa sociedade, o olhar eclético sobre si mesmo e o outro, respeito às diferenças incomodam tanto, que alguns se acham no direito de aniquilá-las. Encontram apoio em alguns, mas também resistência, principalmente nas periferias, nos coletivos, nos pontos culturais, nas redes sociais, em debates abertos e em todos os cérebros humanos que se negarão a ser taxados de amórficos e manipuláveis.

Ninguém tem historia única, somos plurais em cultura, política, ideologia, gênero, etnia, religiosidade e em concepções pedagógicas. Isso nos enriquece, nos humaniza. Na contramão, o movimento escola sem partido encarna discurso ultraconservador que tentam engessar instituições como família, escola, Estado e pessoas que corrobora e se identifica com concepções de ser humano pronto e acabado. Não respeitam olhares multiculturais, não aceitam a pluralidade inata ao ser pensante que somos.

Desafio o movimento Escola Sem Partido a não tratar crianças e jovens como seres incapazes de lidar com a diversidade de conhecimento e capacidades humanas produzidas ao longo de nossa História. Desafio-os a acreditarem em si mesmo e no potencial humano de seus filhos e de toda juventude. Se quiserem e puderem.

Há muito para se melhorar no mundo e em nós, sempre haverá, mas não podemos negar que as produções tecnológicas, desenvolvimentos científicos, as reflexões ambientais, as conquistas materiais e os valores éticos desenvolvidos até hoje foram possibilitadas pela dialética histórica.

Patricia Rosa Donato Teixeira é professora de História, nas redes estadual e municipal da região norte de São Paulo e Grande SP.  

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