“Somos mães de maio, de junho, de setembro…”

Era maio. O primeiro dia do mês é o do trabalhador. Que depois do descanso concedido, segue na luta os outros trinta dias. Maio, o mês feminino. O mês das noivas. Mês de Nossa Senhora. Mês da cigana escrava do candomblé. Mês em que, em um dia 13 de 1888, uma mulher assinou a abolição. […]

Por Redação

09|05|2016

Alterado em 09|05|2016

Era maio. O primeiro dia do mês é o do trabalhador. Que depois do descanso concedido, segue na luta os outros trinta dias. Maio, o mês feminino. O mês das noivas. Mês de Nossa Senhora. Mês da cigana escrava do candomblé. Mês em que, em um dia 13 de 1888, uma mulher assinou a abolição. E este passou a ser o dia de preto velho, mesmo dia de Nossa Senhora de Fátima.
Maio mês das mães.
Na Praça de Maio, em Buenos Aires, nossas vizinhas argentinas se reúnem desde 1977, todas as quintas-feiras, às 15h30, para fazer memória dos 30 mil jovens mortos e desaparecidos durante a Ditadura Militar do país. Seus filhos.
Nenhuma guerra justifica a dor de uma mãe.
Nenhuma luta custa o choro de uma mãe.
Mas a dor e o choro de uma mãe valem toda uma luta.
Era maio, mês das mães. Os dez dias mais sangrentos da história do Estado de São Paulo. Naquele mês de 2006, 59 pessoas, dentre estes policiais, principalmente, foram mortos por membros do crime organizado. Em represália, homens encapuzados, dentre estes policiais, principalmente, assassinaram 505 pessoas.
Tudo começou no dia 12, sexta-feira. No domingo, 14, era o ‘Dia das Mães’. A realidade parece, às vezes, inacreditável. As coincidências cruéis. Naqueles dias, centenas de mulheres sofreram a perda de seus filhos. E tantas outras de seus esposos, irmãos, amigos.
Essas mães tinham muito mais em comum que o amor por suas crias, o afeto, o cuidado. Elas compartilhavam das mesmas condições sociais, de gênero, raça e classe. Mesmo céu, mesmo CEP. Nós sabemos quem é o alvo. Independente de que lado se aciona o gatilho. A carne mais barata do mercado.
A barbárie tem endereço fixo. Onde o Estado se ausenta, oprime. Mata. Onde seres humanos são apenas números, e as perícias são inconclusivas, porque a cena do crime é alterada, porque os corpos são carregados, as balas retiradas. Onde a morte não causa comoção, manifestação, interdição na Avenida Paulista.
Não por acaso, dos assassinatos ocorridos naquele maio de 2006, 85,7% dos casos que envolviam a morte de policiais foram solucionados. Nos casos em que civis foram mortos, 12,9% (leia-se civis como pobres, pretos, periféricos). Pelas 505 mortes, apenas três policiais militares foram processados. Centenas de processos foram arquivados. Centenas de famílias sem resposta. Centenas de mães sem justiça.
Há dez anos, um grupo de mulheres de diferentes cidades e bairros se juntou para partilhar suas dores, se organizou e constituiu um dos principais movimentos sociais do Brasil da atualidade. As Mães de Maio iniciaram suas atividades denunciando os crimes provocados pelo Estado diante da morte de seus filhos, e da ausência de investigação. Hoje, elas defendem a desmilitarização da polícia e o fim do sistema capitalista. Hoje, elas viajam para os EUA para se apresentar na ONU acusando o Estado Brasileiro pela morte dos jovens negros.
Nesse mês em que lembramos os dez anos do massacre de maio de 2006, Nós, mulheres da periferia fazemos memória da história das Mães de Maio, que também é nossa, pois nós estávamos lá, em nossas casas, em nossos bairros sitiados, ruas vazias, convivendo com a insegurança, com o apavoramento, a falta de informações.
Nenhuma guerra justifica a dor de uma mãe. Nenhuma luta custa o choro de uma mãe. Mas a dor e o choro de uma mãe valem toda uma luta. Nós, mulheres da periferia reafirmamos nesse especial o compromisso e apoio à luta das Mães de Maio presente em nosso manifesto: “Somos mães de maio, de junho, de setembro…”. A luta dura o ano todo, toda uma vida.
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