Volta às aulas sem vacina: pelo direito de ensinar de forma segura

Professora da rede pública do município de São Paulo opina sobre condições da volta às aulas presenciais. Confira o relato!

Por Redação

23|02|2021

Alterado em 23|02|2021

O retorno presencial com 35% de presença, previsto no Plano São Paulo apresentado pelo governador João Doria e no “Protocolo Volta às Aulas” apresentado pela Secretaria Municipal de São Paulo, pela gestão do prefeito Bruno Covas, começou a ser colocado em prática esse mês de fevereiro.

Desde o fim de janeiro os professores de São Paulo vêm sendo obrigados a retornarem presencialmente de maneira gradual. O ensino híbrido ainda permanece sem qualquer tipo de recurso para quem não tem acesso à internet, as escolas e professores estão montando apostilas de atividades para que esses alunos não fiquem sem atendimento.

Nada do que foi prometido na televisão como chips, notebooks ou tablets chegaram em grande escala para nenhuma unidade escolar. A prefeitura prometeu entregar 465 mil tablets até dezembro do ano passado.  

Porém, às vésperas desse retorno, foram extinguidos na prefeitura contratos com empresas terceirizadas, deixando 580 escolas do município sem nenhum profissional da limpeza, fora as diversas escolas que possuem apenas um ou dois funcionários. Como cumprir protocolo de saúde dessa forma? 

Escola é local de aglomeração, de contato, comunicação e trocas. Dado que não trabalhamos com produtos, lidamos com vidas. 

Conhecimento e aprendizagem não se dão com insegurança e de maneira engessada. Como ensinar e aprender dessa forma? Do ponto de vista pedagógico o quanto isso é saudável? Alunos distantes, professores com medo, preocupados em garantir que todos respeitem as normas de distanciamento.

Crianças sem liberdade para dialogar e se aproximar. Quanto menor a criança pior a situação. Como acolher um choro ou realizar uma brincadeira? Como manter crianças na sala de aula estáticas? Sem poder ligar o ventilador? 

Tudo isso após essa brutal atitude de desempregar milhares de pessoas, em sua maioria mulheres pretas e periféricas, que sustentam suas famílias prestando serviços essenciais tais como cozinha e limpeza. O que esperar desse retorno em que as escolas receberam apenas álcool em gel? Em que professores da rede indireta que fazem parte do grupo de risco são obrigados a trabalhar presencialmente? 

Como se não bastasse, após esse rompimento absurdo que precariza e coloca em risco vidas de alunos, educadores, demais profissionais e responsáveis. A banalização das vidas e precarização do trabalho parece ser naturalizada, pois, além dessa situação alarmante, foi apresentada essa semana uma proposta de solução da prefeitura em que se pretende contratar mulheres de 18 a 50 anos como monitoras de apoio para aferirem temperatura, orientarem e higienizarem equipamentos de uso coletivo com contrato, sem direito trabalhista e vínculo empregatício algum. E os profissionais demitidos? E os concursos vigentes?

Em apenas duas semanas de aula com quantidade reduzida já são 741 casos, dados apresentados pela Secretaria da Educação. Quem vai se responsabilizar pelas possíveis mortes?

Se o governo priorizasse o retorno com segurança anteciparia a vacinação dos profissionais da Educação após os profissionais da saúde e idosos. 

Desde o dia 10 de fevereiro foi aprovada virtualmente a greve dos servidores da Educação pelo Fórum das entidades sindicais. Diversos movimentos independentes de professores, tais como Movimento Flores pela Vida, Comitê de Base PMSP, Movimento Convoca Já e diversos comandos de greve espalhados por regiões vêm tomando as ruas com carreatas, atos fortes e simbólicos em homenagem aos diversos profissionais que perdemos para o coronavírus. 

Lutamos pelo direito de ensinar de forma segura, pois estamos diante da mutação P.1.  que é transmitida de maneira mais intensa, variante que levou Manaus ao caos e que já foi encontrada em São Paulo.

Todos os países que retornaram as aulas presencialmente tiveram que recuar, pois o nível de transmissão é altíssimo. Possíveis consequências irreversíveis podem colapsar o SUS (Sistema Único de Saúde), fora que desde o fim de dezembro o número de mortes voltou a ser superior a mil diariamente.

Sou uma mulher preta, professora e periférica. Sustento minha família juntamente com meu companheiro que também é professor. Vivemos para e da Educação pública. Acreditamos que a escola é uma das fortalezas das comunidades e por isso nenhuma vida pode ser colocada em risco.

Não me sinto segura como mãe para mandar meu filho para a escola, como professora sem a certeza de que estarei protegendo meus alunos, e como neta que possui uma mulher idosa em casa, mulher que trabalhou a vida inteira no sistema de saúde, e hoje aposentada me ajuda a cuidar do meu filho.

Situação a minha nada peculiar, pois todos temos família, nosso bem maior que não tem preço. A vacinação em massa o mais rápido possível é o único caminho para nos protegermos!

Se é grave é greve! Lutamos por uma escola sem luto. Lutamos para sobreviver em meio à pandemia. Lutamos para que os estudantes das escolas públicas tenham acesso às atividades remotas enquanto não houver vacinação. Só a luta muda a vida e só a vacina pode nos proteger dos possíveis efeitos letais caso tenhamos contato com o vírus ou a nova cepa. 

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