Cinema da mulher, câmera, roda

Mostra de cinema dá visibilidade às produções feitas por mulheres

Por dentro da Mostra de Cinema LBT: como mulheres periféricas valorizam o cinema feito na quebrada.

Por Mariana Oliveira

06|07|2022

Alterado em 06|07|2022

Pensado em estudar e discutir o feminismo nas periferias, o Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery foi criado em 2015 em Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo. Formado por artistas do cinema, teatro e produção cultural, seu principal objetivo é aproximar mulheres periféricas por meio de rodas de conversa e ações de lambe-lambe.

O principal evento realizado pelo grupo é a Mostra de Cinema da Mulher, que este ano gerou mais um subproduto: a I Mostra de Cinema da Mulher LBT.

Trajetória

O Centro para o Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema (Centre for the Study of Women in Television and Film) da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, realizou um estudo em 2020 concluindo que as mulheres representaram 16% dos diretores nos 100 filmes de maior bilheteria naquele ano. Em 2019, este número era 12% e apenas 4% no ano anterior. Pensando nessa realidade ao redor do mundo e nas periferias de São Paulo, a Baciada estreou em 2016 a primeira Mostra de Cinema da Mulher.

Com o apoio financeiro da Prefeitura Municipal de Franco da Rocha ou de editais culturais, como o Programa de Ação Cultural (PROAC), o evento normalmente acontece durante três dias.

Se engana quem acredita que a mostra se limita na exibição dos filmes, a “cereja do bolo” está na roda de conversa que acontece depois. Mediadoras da região e as diretoras são convidadas para o debate. A riqueza também se concentra na abertura para a plateia, que expõem suas colocações e diferentes perspectivas conforme sua própria realidade. “Se em 40 minutos os filmes são exibidos, a gente tem duas horas de debate. Isso diz muito sobre como a gente quer o cinema”, esclarece Mari. Em 2022, a Mostra completa sua sétima edição e será realizada em novembro.

A produtora cultural Luciene Pereira garante que a criação da mostra foi necessária para pautar demandas da vida dessas mulheres. “Na época, a gente não tinha cinema em Franco da Rocha. Era uma ferramenta que não era acessível. Para acessar o cinema, tinha de pegar um trem e ir para outro lugar. Para a gente discutir feminismo, tínhamos de acessar outros coletivos de outros lugares, porque não temos coletivos em nossa cidade que pudessem discutir as nossas problemáticas”.

As críticas pelo não chamamento de homens ao evento são recorrentes. Em resposta, Luciene compartilha que os homens são bem vindos, mas a amostra é um espaço de fala para mulheres.

“Aqui o homem não pode falar, aqui o microfone é da mulher. Aqui ele pode estar como ouvinte, para aprender”.

A princípio, a exibição de longas e curtas eram de filmes com temática feminista já existentes, mas a partir da segunda edição, em 2016, abriram chamamento para que mulheres produtoras e diretoras independentes encaminhassem seus filmes de até no máximo 20 minutos para serem exibidos na mostra.

As organizadoras entendem que esta é uma oportunidade para valorizar a produção das mulheres da região. Por mais que estivessem inseguras quanto à adesão, foram exibidos nove curtas-metragens, mostrando que o cinema pode ser acessível e há produção da periferia para periferia. “O cinema não é uma ferramenta que só alguns podem ter acesso. A gente pode mudar essa história”, enfatiza Mari. Desde então, todas as edições possuem abertura de edital de chamamento para curtas independentes.

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Roda de debates durante Mostra de Cinema da Mulher © Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery

Exibição de curtas durante Mostra de Cinema da Mulher © Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery

Exibição de curtas durante Mostra de Cinema da Mulher © Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery

Roda de debates durante edição virtual da Mostra de Cinema da Mulher © Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery

Roda de debates com intérprete de libras durante edição virtual da Mostra de Cinema da Mulher © Coletivo Feminista Baciada das Mulheres do Juquery

A partir da terceira edição, por meio do apoio da Secretaria de Cultura da cidade pela Prefeitura, foi possível ofertar ajuda de custo às diretoras, equipe e mediadoras. Luciene destaca a importância do pagamento, ainda que simbólico, como meio de incentivar o estes trabalhos. “Tem mulher produzindo, então vamos valorizar esse trabalho”.

Como visto no estudo da Universidade de San Diego, as mulheres ainda têm pouco espaço no mercado de produção cinematográfica. Embora também indique aumento deste número, Mari e Luciene, presentes no ramo, também atribuem estes números ao alto custo de produção desta arte e de sua característica heteronormativa.

“Num contexto geral, o universo do cinema ainda é elitista e heterocentrado. É um universo muito masculino, e quando a gente pensa no recorte das mulheres, também é muito heterocentrado”, conclui Mari.

Para 2022, as curadoras acreditam que farão de forma autônoma, pois não conseguiram parceria com a prefeitura e ainda não foram contempladas com aprovação em editais.

I Mostra de Cinema da Mulher LBT

Em julho será realizada a primeira Mostra de Cinema da Mulher LBT, desenvolvida como uma extensão da Mostra de Cinema da Mulher

A mostra foi criada pensando no recorte de mulheres LBT’s (lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneras), trazendo em seu recorte a exclusividade para a comunidade. “A prioridade era ser autora periférica com direção LBT e tivesse como temática em seu enredo a temática LBT”, explica Mari.

Com apoio do ProAC Municípios da cidade de Mairiporã, a edição está programada para acontecer em 14 e 15 de julho, ainda sem um local definido, foram selecionados seis curtas, serão exibidos três por dia e duas debatedoras farão parte da mesa. A expectativa é receber pelo menos 150 pessoas, com a exibição dos curtas em em áreas abertas ou espaços descentralizados.

A relevância da Mostra de Cinema da Mulher LBT está associada ao uso do cinema como resistência, e também por valorizar as produções e essencialmente a troca. Luciene abre o coração dizendo: “A mostra LBT é isso. É também por me sentir representada. Dar ênfase a esse recorte que faz parte da minha realidade enquanto mulher LBT periférica é perceber que o cinema é essa ferramenta e ela pode ser acessível para nós”.

Mari esclarece que, para as avaliações dos filmes, é levado em consideração a discussão das periferias e mulheres periféricas. É autorizada a inscrição de diretoras e produtoras que não moram nas periferias, desde que o curta traga essa discussão. “Nosso foco não é a produção cinematográfica no sentido de fotografia, óbvio que a gente avalia, mas nosso foco é a temática”.


Confira aqui a programação completa da I Mostra de Cinema da Mulher LBT.