“Quando me tornei negra” por Lívia Lima

Esse é o meu cabelo natural. Sou bonita assim. Isso mudou totalmente minha relação com meu cabelo e com minha cor. Assumo minha negritude no corpo e na causa.

Por Lívia Lima

25|07|2014

Alterado em 25|07|2014

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Créditos: arquivo pessoal

Faz 1 ano que sou negra. Isso não aconteceu por acaso, nem de um dia para o outro, mas é possível definir que há um ano eu assumi essa identidade.

Nasci branca. Quase loira, alguns diziam. Meus cabelos finos eram bem clarinhos, a pele pálida, de acordo com meu nome “lívido, pálido”. Os parentes, as visitas sempre me elogiavam quando iam me conhecer. “Que menina bonita, branquinha”.

Eu fui uma criança racista. Quando era bem pequena, dizia que não gostava da cor da minha mãe, segundo ela. Dizia que minha irmã, mais escura que eu na época, devia ser filha da mulher negra que morava na rua. Não me lembro.

Já na escola, me achava feia. Odiava meu cabelo. Chorava nas tentativas de desembaraçá-lo, sofri quando peguei piolho. Me perguntava: “Por que Deus não me deu um cabelo liso?”.

Desde os seis, sete anos, passei por todos os tipos de tratamentos químicos para “domesticá-lo”. Na adolescência, mantinha-os presos o tempo todo. Sofria com piadas de mau gosto. Com uns 16 anos, após usar determinado produto, eles caíram pela raiz e fiquei com um tufo bem na frente da cabeça.

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Créditos: arquivo pessoal

Me declarei parda nas inscrições dos vestibulares. No curso de jornalismo, dos 70 alunos da turma, os únicos seis afrodescendentes, dos quais eu fazia parte, eram bolsistas. A distinção começou a ficar mais nítida. As desigualdades também.

Há uns 5 anos mais ou menos passei a pedir para a cabeleireira um tratamento menos ofensivo, um relaxamento que mantivesse os cachos. De uns dois anos para cá, comecei a aceitar o volume, o cabelo “armado”. Há 1 ano não faço mais nenhum tipo de tratamento químico.

Esse é o meu cabelo natural. Sou bonita assim. Isso mudou totalmente minha relação com meu cabelo e com minha cor. Assumo minha negritude no corpo e na causa. Tenho interesse em resgatar nossa história e nossa cultura. Antes achava que me chamar de morena era elogio, apelido carinhoso. Hoje, quem está do meu lado me chama de preta. Sou mais feliz assim.

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Lívia é jornalista e moradora de Arthur Alvim, zona leste de São Paulo | Créditos: arquivo pessoal