Da Vila Guacuri para Dublin: “Você fica mais forte, em constante mudança”, por Claudia Vieira

Claudia Vieira, fotógrafa e designer, saiu da Vila Guacuri, bairro que faz divisa com Diadema, na zona sul de São Paulo, e partiu para Dublin! Leia seu relato na íntegra.  Eu, que desde pequena já sonhava alto e fazia disso o meu mundo de fantasia, tomei a decisão de viajar para outro país, virei às […]

Por Redação

01|03|2016

Alterado em 01|03|2016

Claudia Vieira, fotógrafa e designer, saiu da Vila Guacuri, bairro que faz divisa com Diadema, na zona sul de São Paulo, e partiu para Dublin! Leia seu relato na íntegra. 
Claudia Vieira
Eu, que desde pequena já sonhava alto e fazia disso o meu mundo de fantasia, tomei a decisão de viajar para outro país, virei às costas e não olhei para trás (na verdade, olhei, para ver minha mãe, irmãos e um primo muito querido acenando do saguão do aeroporto). Moradora da Zona Sul, entre o ABCD e São Paulo, mais precisamente na região da Vila Guacuri, formada em Design Gráfico, mas entregue de corpo e alma à fotografia, comecei a trabalhar aos 16. Dali em diante nunca mais parei de perseguir meus sonhos. Sou uma mulher negra que, de anos pra cá, reafirmou sua etnia, origem e essência através de projetos e trabalhos significativos.
Viajar com a família e amigos sempre foi bacana, mas pensar uma viagem para você é mais complexo do que imaginei. Sempre busquei independência financeira, mesmo morando com meus pais. Pensava em vir para a Irlanda, foi algo que planejei pouco a pouco, até ter o dinheiro e buscar suporte para saber o que era necessário para uma viagem. Fui até algumas agências de intercâmbio para saber como era o processo, comparar valores e saber mais sobre como poderia ser a vida fora do Brasil. Encontrei uma que tinha valores acessíveis e condições de pagamento que conversavam com meu bolso. Embora minha mãe tenha me ajudado com passagem e seguro saúde, fiz um esforço muito grande completando o que faltava, trabalhei dobrado para que pudesse fazer disso minha nova realidade.
Foi muito fácil falar  para algumas pessoas: “estou indo embora”. A vida em São Paulo estava me sufocando e, eu, perdendo o humor, a paciência e a vontade de viver. Apenas sobrevivendo e sorrindo aos que sempre estiveram comigo. Fiz uma bateria de exames antes de ir para saber se estava tudo bem, exatamente por ter doenças respiratórias e pelo frio da Europa. Mala feita, despedida da família e amigos, um aperto e ansiedade até o último fio de cabelo.
Cheguei à Ilha com muitas expectativas e pronta para falar inglês! Você acha que porque estudou dois aninhos na escola em São Paulo entenderia numa boa tudo que seria dito, certo? Errado! Você precisa conversar com a recepcionista da escola, abrir conta no banco, precisa fazer visto. Precisa fazer amizade com os Irlandeses, entender o inglês e o sotaque de cada nacionalidade, comer e se infiltrar na cultura. Confiamos e desconfiamos das pessoas rápido demais, sofremos por não entender, por saber que seu tempo é diferente do tempo da sua amiga, que está no avançado e fala muito bem. Você é como uma criança de primeira série acordando cedo para ir à aula, fazendo a lição de casa, estudando para a prova e passando pelas provações, como ir ao mercado e perguntar: “Moço onde fica o sabão em pó?”. E quem disse que você sabe isso em inglês?!

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Foto de Claudia Vieira, fotógrafa e designer, durante seu intecâmbio em Dublin


 
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Foto de Claudia Vieira, fotógrafa e designer, durante seu intecâmbio em Dublin


A gente vai se virando, apanhando, reclamando do frio, da chuva, agradecendo quando a roupa seca no dia que o sol aparece bem tímido. Aprende a se virar sozinha. Tenho aprendido muito morando com outras pessoas, principalmente porque no intercâmbio você divide tudo, a geladeira, o fogão, o varal, a máquina de lavar, divide sua rotina, aprende a respeitar o espaço do outro e a parar de reclamar daquelas coisas que passou a vida lamentando.
Você é formada no Brasil, tem faculdade, um bom emprego e conseguiu comprar até o carro desejado. Na Irlanda é diferente, mas você pode e tem todo o direito de procurar um emprego na sua área. Eu, como fotógrafa, tenho conseguido alguns poucos e bons trabalhos, desfruto disso, ainda assim não pagam as minhas contas. Com um visto de estudante, que te permite trabalhar 20 horas semanais, sendo 4 ao dia, você sente que fica mais limitado. As leis mudaram e você precisa se adequar.
Uma amiga me indicou para trabalhar como ‘cleaner’ em uma escola de segunda a sexta-feira,  somente duas horas por dia. É apenas para manter a limpeza do local e, ao contrário de muitos relatos de amigos, o meu emprego não proporciona abuso de horas ou trabalho pesado, menos ainda falar inglês a todo o momento, mas paga minhas contas, aluguel e comida. E mesmo trabalhando com  faxina, uma professora percebeu que meu sotaque era diferente e meus traços também, conversamos todos os dias enquanto ela faz relatório,  eu limpo.
Um belo dia ela  me perguntou se eu não poderia falar um pouco sobre o Brasil para as alunas, já que tinha um mural com imagens, figuras de outras cidades, curiosidades  na sala e livros explicando como vivíamos e como era nossa cultura. Encarei de frente o desafio, cheguei 20 minutos mais cedo no dia seguinte e falei por 30 minutos sobre tudo que elas queriam saber, ensinei a falar “Olá, tudo bem? “ em português e como pronunciar os números. Isso repercutiu em mais de uma sala da mesma série, onde fiz o mesmo. Foi curioso falar em inglês e saber que elas puderam  compreender de forma fácil e dinâmica. O mais interessante é que continuo trabalhando lá e ao passar pelas salas sempre escuto um “Olá Cláudia”,  ou “1, 2, 3″… com sotaque a lá brasileiro.
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Claudia Vieira/ arquivo pessoal


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Claudia Vieira / arquivo pessoal


Na Europa algumas coisas são muito simples quando você segue a regra, porque ela funciona. E se não segue, é deportada pela imigração. Aprende que mais importante do que ter amigos gringos, são os brasileiros que te ajudam na maioria das coisas, com informações valiosíssimas. Você passa a ter problemas que nunca imaginou e começa a resolvê-los um a um, até porque  se está longe, a família e amigos  não têm ideia do que está acontecendo.
E, falando neles, é bem provável que dê falta das brigas com teus irmãos, da comida caseira da sua mãe, do calor insuportável, das palhaçadas dos teus sobrinhos, dos seus amigos e do seu melhor amigo! O nome disso é saudade, você fica presa a ela e ela a você. Vai perder o nascimento de mais um primo que chegou a família, alguém vai casar, outro tá noivo, vai perder aquela festa que tinha planejado, as férias na praia,  vai saber que seu avô faleceu e não vai ao enterro. Mas vai sentir ao ponto de chorar e se perguntar por que tomou essa decisão, então, da mesma forma que as coisas estão acontecendo lá, o teu ciclo é novo e você começa a presenciar que está gostando da viagem, da cultura. Começa a frequentar os Pubs. Cada dia se torna único e fica inadmissível deixar de ir àquela festa, balada, viagem. Aprende que as pessoas são diferentes depois de tanto tempo no subemprego. Você amadurece, qualquer coisa está ótimo, você fica feliz só de poder ir e voltar ao centro de bicicleta, saber que existe um respeito e uma consciência em relação ao transporte público.
Você fica mais forte, uma mutante em constante mudança, controlando finanças, despesas, controlando a saudade, o choro e não deixa de sorrir ou agradecer por que alguém foi gentil com você, dizendo: “have a nice day or weekend!”. Você começa a olhar o mundo e os problemas dele com outros olhos e percebe como evoluiu e como isso vai mudar sua vida para sempre.
 
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Claudia, ainda na Vila Guacuri, em são Paulo, com uma de suas sobrinhas


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Registro de Claudia Vieira na Vila Guacuri, bairro que mora em São Paulo