Sobre meninas, direitos e empoderamento

A ONU instituiu o 11 de outubro como Dia Internacional da Menina. Para trazer a reflexão sobre essa data e em alusão ao dia da criança, 12 de outubro, o Nós, mulheres da periferia divulga o levantamento feito pela Plan “Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”   O que é ser […]

Por Redação

11|10|2014

Alterado em 11|10|2014

A ONU instituiu o 11 de outubro como Dia Internacional da Menina. Para trazer a reflexão sobre essa data e em alusão ao dia da criança, 12 de outubro, o Nós, mulheres da periferia divulga o levantamento feito pela Plan “Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”

 
O que é ser menina? Quais são seus sonhos para o futuro? Meninos e meninas têm a mesma oportunidade? Essas e outras perguntas foram feitas para 1.771 meninas, de 6 a 14 anos de idade, nas cinco regiões do país, e compuseram a pesquisa “Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”, elaborada pela instituição Plan Brasil. A amostra foi feita no período de 2013, majoritariamente em escolas públicas urbanas (59,3%) e escolas públicas rurais (23,5%).
“Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”
 
O levantamento feito com meninas pelo país acentua que, apesar de o contexto cultural e social machista ainda perpetuarem o conceito de que o gênero feminino tem menos direitos que o gênero masculino, essas garotas gostam de ser menina. Querem ter acesso aos seus direitos e o associam a sua felicidade. Para elas, ser feliz também é se empoderar.
Desafios
Para que a felicidade tão almejada por essas meninas seja verdadeiramente alcançada os desafios são imensos e começam dentro de casa. Muitos pais dão a seus filhos responsabilidades de arrumação e organização de casa.  Mas e quando essa tarefa está subordinada ao direito da criança de ter tempo para brincar e para o lazer? E quando é executada majoritariamente por meninas?
De acordo com a pesquisa, 81,4% das meninas arrumam sua própria cama, 76,8% lavam louça e 65,6% limpam a casa. Entretanto, apenas 11,6% dos seus irmãos homens arrumam a cama, 12,5% lavam a louça e 11,4% limpam a casa.
“Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”“Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”
 
Apesar de muitas vezes essas diferenciações aparecem de forma sutil, elas acontecem.  Heloisa Lopes, hoje com 17 anos, mora na Cidade Tiradentes, zona leste conta que sua mãe sempre se esforçou para não deixar trabalhos domésticos por conta das crianças. Apesar disso, com 12 anos já recebeu a tarefa de lavar sua própria roupa, porque, segundo a mãe, já tinha idade para começar a se responsabilizar por suas coisas. Entretanto, seu irmão sempre foi poupado e essa tarefa a mãe nunca cobrou dele. “Marcelo, nunca lavou uma peça de roupa”, compara.
Isabela Costa, 18 anos, moradora de São Mateus, zona leste também conta que mesmo com o pai dividindo as tarefas entre ela e o irmão admite que hora ou outra o menino ganhasse regalias como a injusta “divisão de domingo”, enquanto ele era responsável por fazer a feira, ela limpava toda casa sozinha, quando ela terminava sua tarefa de domingo ele já estava livre há muito tempo.
Como consequência desse trabalho doméstico, de acordo com a pesquisa,  o tempo de brincar acaba ficando prejudicado. A pesquisa revela que 31,7% das meninas disseram que não tem tempo para brincadeiras durante a semana.
Segurança e violência
As violações aos direitos das meninas se acentuam também quando ainda são submetidas a vários tipos de violência. Segundo a pesquisa, uma em cada cinco das entrevistas conhece outra que já sofreu violência.  Em 26,2% dos casos, pais ou responsáveis gritam com elas e, em 23,2% dos casos, batem.
“Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências”
 
As meninas terem acesso a seus direitos por meio da escola, família ou sociedade seria uma importante arma para erradicar esse problema ou diminuir esses casos.  Entretanto, cerca de 70% das meninas relataram que “nunca ouviram falar” ou “ouvi falar, mas não li” o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente (ECA).
O caminho da escola também é considerado perigoso por essas meninas que só em 53,6% dos casos, é indicado como “sempre” seguro.
A moradora do Jardim Alpino, zona sul de SP, Jennifer Pistilli Correia, hoje com 15 anos, revela que caminho da escola sempre foi “bem perigoso, já fui assaltada, não é nada seguro”.
Desconstrução de estereótipos
Thaís Lemes, professora do 3° ano de uma escola pública no bairro de Alvarenga, em São Bernardo no Campo (Grande ABC) aproveitou a pesquisa e fez a discussão com os alunos de idade entre 8 e 9 anos.
Os meninos sentiram-se mais a vontade para falar, o que reforça um dado da pesquisa que trata da escola e escolarização. Segundo o levantamento, embora as porcentagens sejam ainda positivas, 21,2% das meninas não se sentem à vontade para expressar dúvidas e opiniões em sala de aula.
Nesse bate papo, muitas crianças não souberam expressar as diferenças que tem entre ser menina ou ser menino e apontaram coisas pontuais majoritariamente na aparência física. Na avaliação da professora, essas diferenciações sociais são construídas ao longo dos anos, pela família, pais e sociedade.
Gostar de ser menina e sentir-se feliz
A maioria das meninas participantes da pesquisa (71,5%) afirmou sentir-se bonita. Quando perguntadas se a cor da pele lhes parece bonita, a resposta da quase totalidade das meninas foi afirmativa (94,8%). A cor de pele é motivo de satisfação das meninas brasileiras.
As meninas avaliam ser importantes para a sua felicidade o estudo e isso é apontado por 89% delas. Além disso, ser saudável para 87% das entrevistadas também é fator importante.  Dessas meninas, cerca de 70% acreditam que conhecer os seus direitos está ligado ao seu conceito de felicidade.
Como conclusão sobre o que é ser feliz para as meninas é apontado no levantamento que as entrevistadas têm consciência da importância da educação e saúde para uma vida feliz. E sabem que conhecer os direitos, saber viver coletivamente são prioridades, para além de casar e ganhar dinheiro.
Quais são seus sonhos para o futuro? “…O meu sonho é ser médica legista. Quero abrir morto mesmo. O meu sonho é isso. Ter filhos, aquela coisa de mundo encantado não muito. Mas, se tiver, brigada. Se eu não for casada, brigada. O que eu quero é ser feliz.” (14 anos, Escola Pública Urbana, São Paulo)
 
Esse e outros depoimentos além da pesquisa completa podem ser conferidos aqui