Semana do Brincar: incentivar o brincar é uma responsabilidade de todos

As educadoras apontam que o brincar é uma responsabilidade de toda a família e sociedade, não só da mulher

Por Jéssica Moreira

19|10|2016

Alterado em 19|10|2016

“Qual é o espaço público da infância na periferia?”. É com esta indagação que os coletivos Aqui que a gente brinca  e Brincantes Urbanos  realizam a partir desta quarta-feira (19) a 2ª Semana do Brincar na Periferia, que vai até domingo (23). Com uma programação completamente gratuita, que será realizada em diversos pontos da zona sul de São Paulo, o evento conta com diversas palestras e oficinas e um festival de brincadeiras de rua no encerramento, com corrida de carrinho de rolimã, campeonato de taco, corda e pipa.
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A abertura do evento acontece no dia 19 de outubro, quarta-feira no CEU Casa Blanca, das 10h às 13h, com uma oficina de tintas naturais que utilizam beterraba, urucum e terras, além de um bate-papo sobre o Projeto Criança e Natureza, com Bebel Barros. À tarde, das 15h às 17h, “O brincar na escola” será tema de roda de conversa com a fundadora da Escola Waldorf Casa Amarela em Santa Catarina, Sandra Eckschmidt, que irá trazer sua experiência na Escola Zenzeleni localizada na periferia de Johanesburgo na Cidade do Cabo, África do Sul.
Para as famílias, além do festival, será possível brincar com as crianças na oficina “Bondades e Sacanagens – sobre como caçar sacis”,  na sexta-feira (21), das 13h30 às 16h30, com uma reflexão sobre esse mito no imaginário brasileiro e no mesmo dia haverá ainda uma atividade de construção de brinquedos com Luís Henrique, educador do Espaço Alana, Jardim Pantanal, a partir das 17h. ( veja aqui a programação completa).
Para duas das organizadoras do evento, Juliana Leme, do Coletivo Aqui que a gente brinca e Diana Sales, do Brincantes Urbanos, o grande objetivo da Semana é colocar as crianças e os adultos para brincarem juntos, além de ocupar e ressignificar o espaço periférico. “Por sua potencialidade, a cultura do brincar deve ser defendida na periferia como uma possibilidade e uma ferramenta, deve extrapolar a realidade, recriá-la, deve revolucionar”, apontam.
As educadoras apontam que o brincar é uma responsabilidade de toda a família e sociedade, não só da mulher. “Nós temos essa problemática social da sobrecarga das mulheres em relação à família, à casa, ao trabalho, bem mais intensificada do que para os homens. E nós também não podemos colocar essa responsabilidade do brincar apenas na mãe, mas apontar que essa é uma responsabilidade de toda a família e de toda a sociedade também.
Para elas, a prática das brincadeiras é importante em todas as fases da vida, não só na infância e que as brincadeiras podem auxiliar tanto fisicamente, quanto no emocional de quem brinca. “A brincadeira é a linguagem natural da criança e é através da fantasia que a criança se põe plenamente pronta e disposta a aprender com os outros e consigo mesma”.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com Juliana Leme e Diana Sales. 
1) Esse é o segundo brincar na periferia. Como foi a criação dessa ideia? Quais são os coletivos organizadores? São todos da periferia?
Estamos na 2ª edição do evento, criado em 2015, dentro do projeto “Aqui que a gente Brinca”, aprovado pelo Programa VAI ( Programa de Valorização de Iniciativas Culturais na Periferia) da prefeitura de São Paulo. Já no 3º ano de execução do projeto, sentíamos a necessidade de aprofundar nossos conhecimentos para fortalecer nossa prática. A principio a ideia era incluir no projeto uma verba para formação dos participantes do coletivo, a partir da estruturação desta proposta que percebemos a falta de oportunidades de formação em nosso território. É possível se tornar um brincante em São Paulo, mas para isso é necessário se deslocar até a Vila Madalena. Pensamos, então, em uma formação que fosse pública, aberta a todas e todos os interessados e que tivesse como território a periferia.  Os coletivos Brincantes Urbanos e Aqui que a gente brinca! são os organizadores dessa edição, que conta com apoio de diversos projetos e instituições. Os coletivos envolvidos são da periferia da Zona Sul de São Paulo e tem suas ações focadas em territórios periféricos.

2) Qual a importância do brincar na vida de qualquer ser humano ( criança ou adulto) e seus benefícios físicos, afetivos e emocionais? Por que a maioria das atividades é direcionada a adultos?

A brincadeira fortalece a vida em todos os momentos (estágios da vida). Na criança, ajuda no desenvolvimento da motricidade, da força, da concentração entre tantas outras habilidades motoras e intelectuais. A brincadeira é a linguagem natural da criança e é através da fantasia que os pequenos aprendem de forma significativa, ou seja, é através da brincadeira que a criança se põe plenamente pronta e disposta a aprender com os outros e consigo mesma.

O adulto que brinca geralmente o faz com uma criança, por isso, nos “grandes” há dois aspectos importantes no brincar. O primeiro é justamente quando o seu tempo lúdico possibilita o brincar de uma ou mais crianças. O segundo aspecto diz respeito à possibilidade de ser feliz brincando, de ser educador brincando e de usar a brincadeira como ferramenta de trabalho e de relação no cotidiano.

As atividades da semana têm o intuito de democratizar conhecimentos principalmente com educadores da periferia, trazendo para mais perto uma oficina ou formação de qualidade. Para que este possa aplicar e multiplicar experiências. Por isso, a maioria das atividades previstas na semana tem o adulto como foco, mas, vale a pena salientar as atividades que pretendem integrar crianças e colocar ambos, os “grandes e os pequenos” em contato brincando!

Todas as atividades não são só para crianças. Nós falamos da cultura da infância, mas dessa cultura da infância que é uma infância dos adultos. Então, nós sempre propomos situações para realizar coisas juntos, não separados. Não há a ideia de deixar a criança, como quando vai ao shopping, onde deixam a criança brincando e fica apenas olhando do lado de fora, observando e esperando a criança brincar. Nós propomos o contrário, para que adultos brinquem juntos com crianças, com seus filhos.

Acreditamos que tem muito disso quando a gente vai pra rua, nós dizemos “olha, não queremos fazer só com as crianças”, replicando uma relação de recreação, não temos essa relação da “tia” que vai lá brincar com a criança, nós dizemos “vamos brincar junto? você quer bater a corda, você quer pular?”. É sempre convidando os adultos, os familiares, para viver essas esculturas da infância no espaço público.

3) A semana irá acontecer em um território periférico. Por que escolheram esse espaço e qual a importância de fomentar o brincar nos espaços públicos das periferias?

O espaço da periferia é inevitável, é pela borda da cidade que trabalhamos e queremos levar a possibilidade dos educadores e demais interessados da região terem contato com ideias e formações em torno do brincar.

O brincar livre em espaços públicos é mais que um direito de todo cidadão e para além de um momento de prazer e aprendizagem das crianças e adultos envolvidos, uma atitude política de ocupação do território e de ressignificação da realidade imposta pelos moldes capitalistas da nossa sociedade. Por sua potencialidade, a cultura do brincar deve ser defendida na periferia como uma possibilidade e uma ferramenta, deve extrapolar a realidade, recriá-la, deve revolucionar.

4) Sabemos que a maioria das mulheres das periferias têm dupla jornada de trabalho. Cuidam de casa, dos filhos, trabalham e estudam fora, tendo menos tempo para o brincar. Como podemos fomentar esse tempo na vida das mulheres? E no evento, quais é a programação pensada para Nós?

Sobre como fomentar o tempo das mães brincarem com as crianças, nós, no coletivo Brincantes Urbanos, quando vamos para as praças, nós percebemos que as pessoas que passavam ali, as mães que estavam ali com as crianças, elas começaram a brincar junto a partir da nossa intervenção. Então, estavam no celular ou fazendo um lanche, e partir de um momento que começamos a brincar junto, elas vêm e participam junto com as crianças. Agora, como podemos fomentar ações pra organizar o tempo no cotidiano dessas mulheres, nós não temos essa vertente, mas ao começar fazer uma mobilização sobre isso, pode despertar uma consciência de valores. Dentro desse cotidiano que é massacrante, no qual há mil tarefas para fazer, você chega em casa, tem a casa além do trabalho, os filhos e o brincar. Acredito que é um pouco como podemos provocar as pessoas a perceberem o que são prioridades. Se não criarmos esses espaços em nosso cotidiano, para pagar um pouco dentro de casa para atividades prazerosas.

Nós temos essa problemática social da sobrecarga das mulheres em relação à família, à casa, ao trabalho, bem mais intensificada do que para os homens. E nós também não podemos colocar essa responsabilidade do brincar apenas na mãe, mas apontar que essa é uma responsabilidade de toda a família e de toda a sociedade também. Nós, então, buscamos ampliar esse olhar para toda a sociedade que o brincar é importante e necessário. E que o brincar é a cultura da infância. E é quando a criança pode criar. Pois defendemos o brincar não apenas para as crianças, mas o brincar para toda a sociedade, como uma forma de relação, de estar no mundo, de se relacionar com outras pessoas e que essa forma de relação é transformadora. Ela faz com que a gente recrie também as nossas realidades, com uma outra qualidade de vida. E a Semana é um convite para todo mundo pensar junto com a gente sobre a cidade e sobre o brincar e o espaço da criança. Isso diz respeito a todos que se relacionam com crianças, sejam os filhos, vizinhos, sobrinhos ou as crianças que rodeiam nossa vida.

Sobre fomentar esse tempo na vida das mulheres. Acredito que, quando a gente sensibiliza nosso olhar, a gente começa a provocar o nosso olhar para brincar e percebe que é uma forma de estar junto com outras pessoas, de que é uma forma de cuidar  e de educar. Nós começamos também a ter vontade de brincar, trazendo os adultos para brincar, porque não brincamos mais, pois começamos a trabalhar e ter outras responsabilidades e passa a não ter mais vontade de brincar. Quando nos colocamos nesse lugar de brincar e de discutir sobre isso e a nossa infância, nós conseguimos lembrar o brincar, o que desperta a nossa vontade. Nós não buscamos cavar mais tempo na vida das pessoas, mas que esse tempo livre possa ser um tempo para brincar.