Incertezas permeiam a vida de mulheres da Favela da Paz

Possíveis remoções inquietam cotidiano das moradoras de terrenos irregulares Os sambas as enaltecem, o funk protesta, pedindo felicidade e tranquilidade. A palavra favela faz parte do vocabulário brasileiro desde o fim do século XIX, quando fazia referência a um morro no Rio de Janeiro coberto por uma planta popularmente conhecida por esse nome, que encobria […]

Por Redação

27|05|2014

Alterado em 27|05|2014

Possíveis remoções inquietam cotidiano das moradoras de terrenos irregulares
Os sambas as enaltecem, o funk protesta, pedindo felicidade e tranquilidade. A palavra favela faz parte do vocabulário brasileiro desde o fim do século XIX, quando fazia referência a um morro no Rio de Janeiro coberto por uma planta popularmente conhecida por esse nome, que encobria suas encostas. O atual Morro da Providência e mais de 15 mil endereços do Brasil são considerados favelas, segundo o Censo Demográfico de 2010.
O IBGE (Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística) considera favela os “aglomerados subnormais”, locais formados no mínimo por 51 unidades habitacionais sem documentos de posse, sem provisão adequada de serviços públicos básicos, como coleta de água e esgoto, e edificadas de forma desordenada. São atualmente, 11 milhões de favelados no Brasil.
Os dados do Censo 2010, divulgado no final de 2013, também mostram que a região sudeste concentra 49,8% dos domicílios localizados em invasões e favelas do país, com destaque para a região metropolitana de São Paulo. Estima-se que 890 mil famílias vivam em moradias inadequadas apenas na capital paulista.

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Favela da Paz – Itaquera


A Favela da Paz começou a ser construída há 23 anos, entre o córrego Rio Verde, a avenida Miguel Ignácio Curi e a rua Doutor Luís Aires, em Itaquera, quando duas ou três famílias ocuparam o terreno abandonado, na época que a região da zona leste era ainda coberta por um matagal.
Entre meninas e mulheres, Jaqueline Cerqueira, 26 anos, se mudou para a Favela da Paz em 1999 ao lado da mãe, da irmã e sobrinha. Hoje, vive ali com os três filhos de 6, 4, e 1 ano de idade. O companheiro está preso por roubo. Desempregada, conta principalmente com a ajuda da sogra para criar os filhos. A mãe faleceu e a irmã vive em outro barraco próximo. Um universo de muitas mulheres.
Apesar de a Favela da Paz ter sido construída há mais de vinte anos em área de risco, entre as margens do córrego Rio Verde, com a população exposta a uma possível contaminação do solo e sem acesso a serviços públicos básicos, apenas nos últimos anos sua existência passou a ser motivo de inquietação para o poder público.
Durante o governo de Kassab, a gestão municipal de São Paulo pretendia implementar o projeto de construção do Parque Linear do Rio Verde. Para finalizá-lo, planejava remover 12 favelas, o que incluía a da Paz.
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Claudia Santos da Silva, 38 anos, moradora da Favela da Paz


Com a confirmação da construção do Arena do Corinthians e sua utilização para o evento de  abertura da Copa do Mundo em 2014, a favela ganhou uma quase notoriedade por estar localizada a 800m do estádio de futebol.
“Está em área de risco, está cedendo bastante. Eu quero muito sair daqui, mas não sei se vai ser melhor, ainda não me falaram nada. É a pergunta que todo dia a gente se faz. Muita gente não acredita, se eles querem remover por causa da Copa do Mundo, se até o dia 12 de junho ninguém sair, não sai mais”, diz a dona de casa Claudia Santos da Silva, 38 anos.
A partir da possibilidade de remoção de todas as habitações, os moradores começaram a se organizar, em parceria com diversos movimentos e organizações, lutando pela permanência da comunidade no terreno.
A pernambucana Diana do Nascimento, 37 anos, é uma dessas pessoas. Ela é a única mulher dentre os sete líderes comunitários da favela. “A gente que vai ficar, vai lutar para legalizar a água e a luz para os moradores. Porque acabou a Copa, esquece, vai voltar tudo ao normal.”
Ela se define como a segunda moradora da Favela da Paz, pois se instalou no local, que “era só mato”, há 21 anos. “Foi aqui que eu criei meus filhos, meus netos. É aqui onde a gente se acostumou, nós temos amizades e tudo próximo da gente. Eu não tenho vergonha em dizer que moro em uma favela. Mas lá fora nós somos vistos como marginais, isso me entristece muito”.
Em 2013, os líderes comunitários criaram, com apoio do Comitê Popular da Copa, do Instituto Polis e da Peabriu Trabalhos Comunitários, um plano alternativo à remoção do local, no qual apenas as famílias com casas próximas ao córrego fossem realocadas e a comunidade fosse preservada.
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Diana do Nascimento, 37 anos, moradora da Favela da Paz.


 
Neste ano, segundo a assessoria da SP Copa, as negociações com as famílias se alteraram e a proposta agora é que todas as 377 famílias da favela saiam do terreno e sejam realocadas para moradias populares até 2016. Segundo a assessoria, foram consideradas demandas do plano alternativo.
O Comitê Popular da Copa, movimento que denuncia as injustiças e violações de direitos causadas pelo megaevento, rebate as informações dadas pela prefeitura. De acordo com a integrante do movimento, Juliana Machado, a gestão municipal ainda não se manifestou oficialmente sobre o documento. “O plano popular alternativo foi entregue em março de 2013 à Prefeitura e aos secretários municipais que têm relação com a questão.”

Juliana revela ainda que as famílias não estão sendo devidamente informadas sobre se serão ou não removidas e, se sim, para onde irão. Para o comitê, a mudança de prazos é “estratégia da Prefeitura” para tentar desvincular a Copa de seus impactos negativos. “Claro, os projetos de intervenção, aqui em Itaquera, datam pelo menos de 2004, do plano diretor regional e muitas dessas intervenções já estavam previstas. Mas apenas com a Copa do Mundo é que essas obras saem do papel, vão ser executadas, numa confluência única de dinheiro, vontade e um evento que representa uma emergência”, afirma.

O Comitê avalia que a remoção não ocorreu ainda porque os moradores se organizaram e seguem resistindo. “A experiência desses anos de acompanhar as comunidades nos mostra que são as mulheres que fazem e puxam a luta por moradia, são elas que estão na linha de frente”, aponta Juliana.