Como é ser assistente social em SP durante a crise da Covid-19

“Minha rotina tem sido desafiadora, somos obrigados a nos reinventar constantemente”, afirma assistente social que atua no extremo leste da cidade de São Paulo.

Por Mayara Penina

26|05|2020

Alterado em 26|05|2020

“Nós, assistentes sociais fazemos parte da classe trabalhadora. Vivemos as mazelas da exploração, da desigualdade e da precarização do trabalho. Nesse momento de Covid-19, também somos profissionais essenciais e, como muitos trabalhadores, também há assistentes sociais sem EPIs (equipamento de proteção individual)”.

O trecho acima integra o “Manifesto das Trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres” em que contam como estão trabalhando e suas reivindicações. O documento afirma que as as trabalhadoras que estão na condição de home office continuam em estado de atenção e seguem com o plano de trabalho de casa, inclusive contando com uma estrutura pessoal.

Ao mesmo tempo que sofrem estes tipos de ameaças, muitas trabalhadoras têm denunciado a ausência de equipamentos individuais de proteção (EPI), enquanto outras relatam que foram elas mesmas as responsáveis por adquiri-los para conjunto de trabalhadoras da equipe.

Para entender como está a rotina das assistentes sociais, consideradas profissionais essenciais para o período de pandemia que estamos vivendo, o Nós, mulheres da Periferia conversou com três delas que atuam na zona leste da cidade de São Paulo.

O que faz um assistente social?

Seja no campo empresarial ou em outras formas de exercício profissional, o assistente social, formado pelo curso de Serviço Social, tem como objetivo amparar pessoas que de alguma forma não tem total acesso à cidadania, ajudando-as a resolver problemas ligados à educação, habitação, emprego e saúde.

Luto coletivo: atender pessoas em sofrimento psíquico

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Priscila Donadio Candido: “Nos, profissionais de Serviço Social, não deveríamos existir se não houvesse a crescente desigualdade social”.

©arquivo pessoal

Priscila Donadio Candido é assistente social há 11 anos e trabalha com saúde mental no CAPS Adulto (Centro de Atenção Psicossocial), localizado no extremo Leste de São Paulo. “Minha atuação é direcionada para a garantia de direitos, fortalecimento de vínculos, ressocialização e rompimento de estigmas”, explica.

Já falamos aqui no Nós, sobre como a desigualdade social tem se evidenciado de forma devastadora em tempos de pandemia e Priscila explica o porquê: “Os trabalhadores de serviços ditos como não essenciais perderam sua fonte de renda, passando a vivenciar a ‘miséria humana’ sem condições de suprir o básico para sobreviver”.

Para exemplificar o quão essencial é a função da assistência social neste momento, aqui vai um exemplo: são estes profissionais que possibilitam o acesso às políticas públicas e programas de transferência de renda, dando suporte à população através de orientações e encaminhamentos.

“Em tempos de pandemia, minha rotina tem sido desafiadora. Eu e todas as pessoas que estão enfrentando a pandemia somos obrigados a nos reinventar constantemente.  É desafiador atender pessoas em sofrimento psíquico. No instante que é decretado estado de calamidade  pública, onde o número de óbitos cresce diariamente,  todas as pessoas com o mínimo de empatia sofrem coletivamente e cada qual encontra ferramentas para enfrentar a dor, tristeza,  angústia e incertezas sobre o futuro.  A falta de esperança se torna um sentimento natural”, desabafa.

A pobreza sempre existiu, mas a pandemia agravou

Lúcia Silva* é uma das profissionais que integra a equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF) na região de São Miguel e Itaim Paulista, em duas Unidades Básicas de Saúde.“O nosso trabalho consiste em matriciar a equipe sobre diversos aspectos  dentro da nutrição, psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia. Eu faço atendimento social, visita domiciliar, orientação de grupos, reuniões de rede, entre outras atividades”, descreve.

Lúcia defende que a assistência social, em conjunto com a saúde e previdência social, deveria ser o pilar da Constituição Federal de 1988. “Mas na real, o que vemos é que isso não tem acontecido na prática”, relata. “A assistência ainda é vista por caridade, benesse das primeiras damas”.

Ela critica a atual gestão municipal e afirma que tem piorado significativamente a vida da população negra e periférica. “Infelizmente, a assistência social ainda não é vista como política pública, e como tal precisa de investimento”.

Trabalhando às margens do Rio Tietê, na constante iminência de novas enchentes, Lúcia auxilia principalmente a população que tem subemprego, grupo que teve a situação de pobreza intensificada.

“A assistência social deveria balizar os ‘mínimos sociais’, mas o que se percebe é um abismo muito grande em relação à isso. Haja visto a situação do auxílio emergencial, que pra se cadastrar precisa de celular ou computador”.

Lúcia faz visitas domiciliares para o acompanhamento dos casos graves. Sua maior preocupação é com o pós pandemia e com as situações sociais, que potencializam o sofrimento mental.

“A pobreza sempre existiu, mas se intensifico com  pandemia. Então, o momento é de mobilização e articulação social pra garantir os mínimos sociais.  “Apesar das ações serem pontuais, como por exemplo de cesta básica, precisamos que isso seja um projeto de algo contínuo ou que consiga gerar emprego”, finaliza.

Benefícios sociais para quem tem dificuldade financeira

Também na zona leste da cidade de São Paulo, está Elisa Oliveira* que atua com orientações sociais para pacientes. Ela acompanha casos em que a questão social pode ser um agravante para a saúde mental.

“A Assistência Social é de suma importância, visto a vulnerabilidade e risco social nos territórios em que atuamos”, explica. Ela conta que, neste momento, suas energias estão voltadas para as orientações referente aos benefícios sociais, por causa das dificuldades financeiras enfrentadas pela população de seu território.

“Neste cenário é importante buscarmos melhores condições de trabalho e reconhecimento da importância da profissão, principalmente na área da saúde”, finaliza

*O nome foi trocado para preservar a identidade da fonte


Este conteúdo encerra o projeto #SalveCriadores, uma iniciativa que, nas últimas 7 semanas, trouxe para o centro do debate os desafios enfrentados pelas populações negras e periféricas diante da crise do coronavírus. O projeto, idealizado pela Purpose e desenvolvido em parceria com os coletivos Alma Preta, Periferia em Movimento, Nós, Mulheres da Periferia, Rádio Cantareira e Preto Império, teve o objetivo de fortalecer o trabalho desenvolvido por criadores de conteúdo das periferias de São Paulo e de mostrar que o COVID-19 é só a ponta do iceberg, que agrava outras questões relacionadas a saúde pública, economia, educação, cultura,  racismo ambiental e direito à cidade. Você pode encontrar as matérias nos canais dos coletivos e também nas redes sociais do Cidade dos Sonhos.