Sobre racismo e por que precisamos enaltecer nossa ancestralidade negra

Eu estava esperando o ônibus com a minha filha, Nina, quando percebi que uma mulher estava me oferecendo moedas. Eu perguntei “o que é isso?”. Ela disse “uns trocados para você comprar alguma coisa para sua filha”. Fiquei sem ação e apenas respondi “obrigada, mas eu não preciso.” Ela disse “você não quer? ” e eu […]

Por Redação

26|06|2016

Alterado em 26|06|2016

Eu estava esperando o ônibus com a minha filha, Nina, quando percebi que uma mulher estava me oferecendo moedas. Eu perguntei “o que é isso?”. Ela disse “uns trocados para você comprar alguma coisa para sua filha”. Fiquei sem ação e apenas respondi “obrigada, mas eu não preciso.” Ela disse “você não quer? ” e eu “não! ”. Até que, finalmente, se afastou, não acreditando que eu tinha recusado as moedas.
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No dia seguinte, saí novamente com minha filha. Eu ando com Nina envolvida em um tecido, que muitos conhecem como sling. Para entrar no ônibus, eu sempre peço para abrir a porta traseira, pois com Nina no tecido não tem como passar pela roleta. Desta forma eu entro, me dirijo até o motorista, pago a passagem e movo a roleta com as mãos. Normal.
O ônibus parou e o motorista me disse que não ia abrir a porta traseira, disse que não podia, que as câmeras estavam filmando. Eu respondi “mas como assim? todos os motoristas fazem isso para mim”. Ele respondeu “mas eu não faço!”. Fiquei atônita, imaginei ficando sozinha com minha filha na parada, sem ter como ir para casa. Uma mulher gritou “motorista, ela está com uma criança!”. Alguém de dentro do ônibus gritou “Motorista ela vai pagar! ” Quando ele ouviu isso, finalmente disse “ok, eu vou abrir, pode ir lá”!
Reflitam, se fôssemos brancas, loiras, essas duas situações iriam acontecer? Por que aquela mulher achou que eu precisava de moedas pra comprar “alguma coisa” pra minha filha? Por que o motorista achou que eu não iria pagar a passagem? Porque outro dia a moça da farmácia me perguntou com cara de nojo “Você está deixando o cabelo da sua filha igual o seu? ”. Ah, o racismo não existe no Brasil, né? Nós vemos racismo em tudo. Sim! Realmente o racismo está em tudo. No comportamento das pessoas, nos olhares, nos discursos torpes, no sistema de educação, nos padrões de beleza, está na história desse país…sim, está em tudo! Procurar entender e saber mais sobre as questões raciais é importante, enaltecer a identidade e ancestralidade negra muito mais ainda!
Depois do que aconteceu, entrei no ônibus totalmente envergonhada, todos ali me olhavam. Até que um moço estiloso entrou, percebi que olhou para nós e sentou. De repente ele virou e me disse“moça, estou tomando coragem para falar, você e sua filha são incríveis! São lindas! Eu leio e acompanho o empoderamento negro, sou fotógrafo, faço parte de um projeto que faz fotos do cotidiano em Natal, fotos inesperadas, não me contive ao ver vocês. Por favor, posso fazer algumas imagens de vocês duas?” Com certeza aceitei e conversamos bastante sobre essas questões que muitas mães negras passam no dia a dia, sobre a importância de ter sabedoria em criar nossas crianças negras em um sistema racista.
Nem contei pra ele o que aconteceu comigo antes dele entrar no ônibus, achei melhor falar agora que as fotos ficaram prontas e agradecer a você, Ian Rassari. por me encher de alegria nesse dia e parabéns pelo lindo projeto de fotografia, muitas histórias ainda vão ser contadas por meio dessa iniciativa e inspirar as pessoas!
Mãe de Nina Tsumbe, Silvinha Alves tem 26 anos, é de Fernando de Noronha, mora em Natal, Rio Grande do Norte. É bailarina, produtora cultural, turbantista e pesquisadora em danças negras. A sua pesquisa atravessa os campos da educação e da cultura quanto ao desenvolvimento da interpretação de danças afro contemporâneas no que diz respeito a equilibrar vínculos e demandas entre a tradição e a contemporaneidade, entre o pertencimento e a reinvenção. Silvinha Alves também faz parte do Coletivo Pixaim Natal, onde realiza eventos em que as pautas do feminismo negro são abordadas.