O close certo

Dos 51 milhões de jovens no Brasil, 53% são negros. Hoje, existem cerca de dois milhões de jovens negras e negros de quinze anos ou mais cursando o ensino fundamental, o que indica alta taxa de defasagem escolar. Nesse mesmo tempo, apenas 15% de todos os jovens do Brasil nas universidades são negros. Entre os […]

Por Redação

08|09|2016

Alterado em 08|09|2016

Dos 51 milhões de jovens no Brasil, 53% são negros. Hoje, existem cerca de dois milhões de jovens negras e negros de quinze anos ou mais cursando o ensino fundamental, o que indica alta taxa de defasagem escolar. Nesse mesmo tempo, apenas 15% de todos os jovens do Brasil nas universidades são negros.

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Brunata Mires | Arquivo pessoal


Entre os jovens negros, cerca de 38 milhões estavam trabalhando em 2010, entre os brancos o número foi de 9,6 milhões. Contudo, dos sete milhões de jovens trabalhadores sem carteira assinada, quatro milhões eram negros. E mais que dobrando o número dos 15% de negros nas universidades públicas ou privadas do Brasil, os jovens brancos ocupavam 33,5% desse espaço; comparação que nos permite pensar por que trabalhamos mais e estudamos menos, muito menos.
Tráfico de drogas e o roubo são os crimes que mais levam pessoas à prisão. A população carcerária no Brasil cresceu 74% em sete anos, o perfil dessa população é: homens negros e jovens (abaixo de 29 anos). Jovens negros são presos 1,5 vezes mais do que jovens brancos. E são mortos por armas de fogo 71,7% a mais do que brancos.
Entre as jovens de 15 a 19 anos que engravidam a maioria é negra e compartilha das mesmas condições dos jovens homens negros que são o perfil da população encarcerada: pobre, fora das universidades e fora de qualquer direito relacionado à cidadania.
Os avanços sobre a nossa realidade foram poder ingressar nas universidades públicas e privadas, com ações afirmativas e outras políticas de inclusão; e poder consumir — com a renda per capta dos mais pobres tendo aumentado 32% e da classe média 50% em uma década. Foi bonito? Foi.
E o close?
Com a brecha na porta alguns puderam entrar, ver e viver, mais do que sobreviver. Jovens negras e negros ingressaram nas universidades, conseguiram relativos empregos, vivenciaram outra modalidade de racismo além daquela das vielas da periferia e afrontaram. É intenso, é um orgulho, sou eu também. Mas tem mais.
Hoje organizamos nossas próprias festas e viralizamos nossos próprios vídeos, conseguimos patrocínios e menos do que num piscar de olhos estamos em comerciais e propagandas. Divulgando o que?
Que agora podemos usar ‘aquela’ roupa, aquele tênis, aquele esmalte, aquele cabelo. Beber aquela cerveja, aquele vinho, enrolar aquele baseado na balada, dançar até se acabar, conseguir alguma coisa no sábado, domingo, terça, quinta à noite e aproveitar a vida. É digno. Eu curto. Afinal, sofremos tanto.
Quem nos viu cruzar a ponte também sofre. Não tem o dinheiro, não tem o carro, não tem as roupas, nem o cabelo. Tem o ensino fundamental e o médio para completar, um celular para ouvir a música, um banza e uma bebida para acompanhar. E se precisar vai roubar. Tem também o baile, e nenhuma instrução sobre métodos contraceptivos ou prevenção à DSTs.
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Quero ser propositiva, porque eu gosto de dançar e todas aquelas outras coisas divertidas relacionadas a viver a vida, mas também incorporo a tia chata quando se trata do fato de que nós — jovens negros que transitam e acessam os centros somos minorias e não devemos influenciar a maioria que está na periferia de tudo a ter uma vida que para eles ainda não é sustentável, pois falta o básico. Falta informação, falta acesso, falta recurso, falta mobilidade.
Não é justo vender um modelo de vida de jovem negro universitário (ou classe média) para outros jovens negros que ainda não acessaram caminhos fundamentais. Quem vê só a festa muitas vezes não vê a mesa de estudo, as restrições, o caminho reflexivo sobre o ambiente em que vivemos.
Nós, que conseguimos passar pela brecha temos a responsabilidade de garantir que nenhuma outra pessoa negra se atrofie tentando conseguir seguir um novo padrão, que se parece com ela mas é só mais um padrão impossível sustentar se você não tem as condições necessárias. Alcoolismo ainda existe, vícios, dívidas e mortes por dívidas ainda existem; na minoria jovem negra universitária talvez seja raro, mas do lado de lá…
Minha proposta é que a gente não almeje nem planeje vender para outros como nós aquilo que nos mata, aquilo que sempre nos matou. Assim podemos construir novas narrativas, com dança, alegria e consciência política qualificada.

Bruna Tamires. 23 anos. Estudante de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo. Moradora de Pirituba – Zona Norte SP.  Participa do Coletivo de Negras e Negros da Escola de Artes, Ciência e Humanidades. EACH-USP. Membra do Conselho Municipal dos Direitos das Juventudes na cidade de São Paulo. Organizadora do Dia da Resistência Por Dandara e Por Zumbi dos Palmares, na USP Leste em 2014.

Algumas fontes:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1671609-gravidez-precoce-e-baixa-escolaridade-continuam-relacionadas-aponta-ibge.shtml
<http://www.ceert.org.br/noticias/politica-no-brasil/7246/mapa-do-encarceramento-prisao-como-instrumento-de-controle-dos-excluidos
<http://www.brasilpost.com.br/2015/06/03/estudo-populacao-carceraria_n_7501604.html
publicado originalmente no Medium de Brunata Mires