Crimes de Maio de 2006: não queria estar “na hora errada, no lugar errado”

Maio de 2006 foi um mês que para mim a violência, já cotidiana, ficou mais latente. Não vivi na pele a dor desse maio sangrento, mas vi o medo que propagavam os noticiários de TV e ouvi nos boatos de amigos, parentes, vizinhos. Em minha memória ficou o que passava na televisão, muitas pessoas assustadas, […]

Por Bianca Pedrina

13|05|2016

Alterado em 13|05|2016

Maio de 2006 foi um mês que para mim a violência, já cotidiana, ficou mais latente. Não vivi na pele a dor desse maio sangrento, mas vi o medo que propagavam os noticiários de TV e ouvi nos boatos de amigos, parentes, vizinhos.
Em minha memória ficou o que passava na televisão, muitas pessoas assustadas, ataques que diziam que de um lado a culpa era do crime organizado, de outro da polícia. Do lado de cá da ponte, é difícil saber quem mata mais. Eu, no meio disso, tentava não estar “na hora errada, no lugar errado”. Porque na periferia basta isso para ser alvo. E muitos foram.
Eu precisava ganhar o pão e não podia ficar em casa esperando essa guerra passar, porque nunca passa. Trabalhava em um shopping de granfino na Avenida Faria Lima. Atravessava a cidade para chegar até essa região.  Lembro que tudo estava um caos, era começo de mês, mas parecia ser o fim dos tempos.
O shopping em que eu trabalhava continuava funcionando, sem maiores problemas. Pensava que no dia em que aquele estabelecimento fechasse seria o dia D. E aconteceu. Tivemos a notícia de que uma bomba estaria em um shopping perto dali e o próximo poderia ser o nosso.  E quem duvidaria? Mandaram a gente para casa.

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Créditos: Claudia Vega/ Flickr


Mas naquele dia, até os ônibus não estavam funcionando. Toque de recolher de um lado, bomba de outro, a gente no meio disso tudo, tentando ir para casa.
Eu ficava torcendo para chegar bem.  Diante de todo aquele caos, consegui pegar um ônibus, muito lotado, mais do que o de costume. Em casa, latejava na minha cabeça a sensação de como somos vulneráveis. Assustada, pensei naqueles que estavam na rua e não tinham escolha.
Depois soubemos das mortes, muitas. Pessoas como eu ou você, que estavam na hora e lugar errados.
Fui trabalhar no dia seguinte e a cidade aos poucos foi se conformando. As notícias atravessadas diziam que os mortos eram suspeitos. Eu, que sei que qualquer um é alvo, sabia: muita gente inocente tinha morrido. Eram trabalhadores, estudantes.
Os crimes de maio ainda não foram solucionados.  Muitos maios se passaram e muita gente continua morrendo na periferia por ser suspeito. Passados dez anos, ainda sinto o mesmo medo.